No dia da posse do presidente Jair Bolsonaro, em 1º de janeiro, apontei na coluna que havia algo por trás da presença de Evo Morales na cerimônia.
Boa parte da história desconhecida sobre a presença do único líder latino-americano alinhado ao chavismo-madurismo em Brasília ainda está por ser escrita. Mas há pistas das razões dessa aproximação, e a prisão de Cesare Battisti, no fim de semana, em Santa Cruz de la Sierra, aponta caminhos.
Evo têm divergências ideológicas homéricas com Bolsonaro, mas, desde a eleição do brasileiro, o boliviano optou pelo pragmatismo. Enquanto Nicolás Maduro, da Venezuela, e Daniel Ortega, da Nicarágua, foram "desconvidados" da posse pelo Itamaraty, Evo foi confirmado, veio e ainda rasgou-se em elogios a Bolsonaro, a quem chamou de irmão: "Acompanhamos o irmão presidente @jairbolsonaro, com a convicção de que as relações Bolívia-Brasil têm profundas raízes nos laços de fraternidade e complementaridade de nossos povos", disse em sua conta no Twitter.
A carta enviada por Battisti ao governo boliviano, na qual pedia refúgio alegando perseguições políticas, comprova que as autoridades vizinhas sabiam que o ex-ativista italiano estava em território nacional há quase um mês (o documento data de 18 de dezembro), dias após fugir do Brasil. Entregá-lo às autoridades brasileiras – ou à Itália diretamente, como aconteceu – era uma decisão de governo. E aí, o pragmatismo de Evo, falou mais alto do que as convicções ideológicas.
Com o gesto, o presidente boliviano marcou posição fundamental de afastamento em relação ao ex-parceiro do Norte e cada vez mais isolado Maduro. É uma questão de sobrevivência política. Sua reeleição para o quarto mandato, em 2019, não está garantida.
Pela primeira vez desde que chegou ao poder, em 2006, Evo corre o risco de não permanecer no Palácio Quemado. Pesquisas mostram empate técnico entre ele e o ex-presidente Carlos Mesa: 27% contra 25% para o opositor. Tudo indica que haverá segundo turno, no qual Mesa venceria por 48% a 32% de Evo.
Para garantir votos, a economia precisa caminhar bem. E aí entra o pragmatismo de Evo outra vez: o Brasil é cliente do gás boliviano, mais importante fonte de receita da Bolívia. Mas o acordo de fornecimento do combustível, fundamental para a economia do país vizinho, termina em dezembro, após duas décadas de contratos. Há setores dentro da Petrobras que defendem que o Brasil deve comprar menos produto, tendo como argumento o aumento na produção interna.
E o governo Bolsonaro, o que ganha com a aproximação com Evo, além da cabeça de Battisti? Aqui, não está completamente claro. Uma possibilidade seria Evo atuar como mediador, uma válvula para aliviar a pressão se os discursos incendiários dos dois lados colocarem a região a ponto de um conflito. Outra seria utilizar a influência do boliviano sobre Maduro para convencê-lo a apear do poder.