Nesta quinta-feira, completam-se 20 dias de paralisação do governo americano. São 800 mil funcionários públicos federais colocados em licença não remunerada: parques nacionais fechados e atrações turísticas que dependem de servidores também não funcionam. Isso afeta quem visita os Estados Unidos e começa a atingir embaixadas e consulados pelo mundo — inclusive no Brasil (serviços não essenciais). Mas, na vida diária do cidadão comum americano, o apagão se reflete em questões comezinhas, como casar no civil, por exemplo. De Leste a Oeste, muitos escritórios que emitem licenças estão fechados.
Donald Trump imagina que, se apelar a esse cidadão comum, que não consegue casar ou mesmo comprar uma casa porque pilhas de documentos de hipotecas se acumulam em repartições públicas, ele certamente conquistará os "corações e mentes" dos americanos. Foi assim na eleição de 2016, quando recorreu a discursos populistas para chegar à Casa Branca. E foi assim na terça-feira, quando fez um discurso de oito minutos na TV com tom apelativo. O muro é intenção americana, mas quem protagonizou a novela mexicana foi Trump.
— Quanto sangue americano terá que ser derramado até que o Congresso aprove? — questionou, teatral, quase um melodrama, referindo-se ao caso de um policial morto na Califórnia ao parar um carro em que estava um imigrante ilegal.
Trump disse que os Estados Unidos vivem "uma crise humanitária" por conta dos migrantes. Não é verdade. Estão longe disso.
A cada aprovação de orçamento federal, todo início de ano fiscal, é bastante comum o fechamento do governo por alguns dias — e isso atingiu, ao longo da História, governos republicanos e democratas. O maior, na administração de Bill Clinton, durou 21 dias em 1995. Ou seja, tudo indica que, no sábado, Trump bate o recorde.
É do jogo político. Mas, desta vez, é também birra. O chamado shutdown ocorre devido ao impasse entre o presidente e a oposição democrata. Trump quer dinheiro (US$ 5 bilhões) para a construção do muro na fronteira com o México. Os democratas não aceitam, dizem que é necessário reforçar a segurança e não construir a barreira. O que responde Trump: enquanto não for liberada verba para a obra, o governo seguirá fechado. Por meses, anos, se for o caso.
A Casa Branca trumpiana caiu na real. Durante dois anos, a maioria republicana no Congresso garantia a aprovação de medidas do Executivo. Talvez não houvesse clima político para encaminhar o projeto de construção do muro. Mas se Trump não tentou antes, quando tinha vantagem, provavelmente não será agora que irá conseguir. O jogo mudou, e Trump está sentindo na pele o que é governar com minoria na Câmara dos Deputados. E está só começando. Tem dois anos pela frente.