A Venezuela é o principal foco atual de desestabilização na América Latina, e os vizinhos não sabem como lidar com Nicolás Maduro e com o êxodo de refugiados do país. O temor de que a crise descambe para conflito armado ficou claro nos bastidores do principal fórum de segurança e defesa da América Latina, realizado na sexta-feira no Rio de Janeiro.
A 15ª Conferência do Forte de Copacabana, que reuniu diplomatas, ministros e pesquisadores de Relações Internacionais, serviu de termômetro para medir a preocupação da comunidade internacional com a crise venezuelana e seu impacto em países como Colômbia, Equador, Peru e Brasil. Palestrantes de 10 nações se alternaram na sala de conferências do Hotel Sheraton, em São Conrado, traçando paralelos entre crises políticas, mudanças climáticas e deslocamento de populações. A professora venezuelana Milagros Betancourt, da Universidade Católica Andrés Bello, de Caracas, cobrou a reação tardia dos vizinhos ao problema da migração.
– Só haverá saída em meu país se houver troca de regime ou alguma mudança no regime – afirmou.
As estatísticas apresentadas por Milagros lastrearam discurso que soou mais como apelo: segundo ela, dois terços das empresas fecharam em seu país, cuja inflação, conforme o FMI, deve atingir 1 milhão por cento no final do ano.
– A resposta dos vizinhos pode definir a vida e a morte (dos imigrantes) – disse Milagros.
O problema, cuja face mais visível aos brasileiros é a população que chega à Roraima, tem maior impacto na Colômbia.
– Se os venezuelanos não estavam acostumados a emigrar, nós, colombianos, não estávamos acostumados a receber – afirmou Francesca Ramos Pismataro, professora da Universidade de Rosario.
Representantes de países europeus, como o assessor de Política Externa e de Segurança do parlamento alemão, Henning Speck, destacou como a Alemanha abriu as portas aos refugiados do norte da África e do Oriente Médio. Tentativas de comparação entre crises migratórias na Europa e na América do Sul também foram feitas pelo ministro da Defesa brasileiro, Joaquim Silva e Luna. Na maioria dos discursos ficou claro que os governos latino-americanos desconhecem medidas imediatas para lidar com Maduro e com o êxodo.
Realizada pela Fundação Konrad Adenauer, com o apoio do Centro Brasileiro de Relações Internacionais e União Europeia, a conferência também tratou a ascensão de partidos populistas, de direita ou de esquerda, que veem na migração ameaça aos empregos nacionais, como risco a um mundo que, até poucas décadas atrás, parecia caminhar para o multilateralismo.
Democracia é a única trilha
Após discursar na 15ª Conferência do Forte de Copacabana, o ministro da Defesa, Joaquim Silva e Luna, foi questionado por jornalistas sobre as declarações do comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, que provocaram polêmica ao sugerir que as corporações militares poderiam não reconhecer o resultado das eleições.
– A bíblia das Forças Armadas é a Constituição Federal. Fora desse caminho não há trilha. Jamais.
Não há risco nenhum de as Forças Armadas aceitarem ou querer deixar de aceitar aquilo que é legal e institucional. Elas têm mais é que garantir as instituições funcionando normalmente e, quando solicitadas, garantir a lei e a ordem – disse o ministro.
Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, Villas Bôas afirmou que o atentado sofrido pelo candidato à Presidência Jair Bolsonaro (PSL) mostra que “estamos agora construindo dificuldade para que o novo governo tenha uma estabilidade, para a sua governabilidade e podendo até mesmo ter sua legitimidade questionada”.
Reaproximação humanitária
Durante 40 minutos, o ministro Joaquim Silva e Luna explicou à plateia da conferência no Rio medidas adotadas pela União para receber imigrantes. Segundo ele, até agora, 1.947 venezuelanos foram interiorizados para outros Estados. Com fotos e vídeos, mostrou o trabalho das Forças Armadas na fronteira, em Roraima. Cerca de 12 mil refeições diárias são distribuídas. Conforme o governo, em média, chegam 480 venezuelanos à Roraima a cada dia.
Silva e Luna contou que esteve com o ministro venezuelano da Defesa, Vladimir Padrino López, na semana passada. O encontro, surpreendente após dois anos de críticas de Nicolás Maduro a Michel Temer, foi em Puerto Ordaz.
Além de episódios de violência em Pacaraima (RR), foi debatido entre os ministros o abastecimento elétrico de Roraima. O Estado recebe energia de hidrelétrica na Venezuela. Conforme Silva e Luna, o governo vizinho deu garantias de que não há risco de apagão.
Novas preocupações
Além dos venezuelanos, há preocupação por parte do governo brasileiro com nova rota de imigrantes que estão chegando via Corumbá, no Mato Grosso do Sul. São haitianos que chegaram ao Chile, mas que não teriam se adaptado ao país. Estariam entrando no Brasil pela fronteira com Bolívia e Paraguai.