Poucas vezes na história houve um discurso sobre o estado da União diante de um Congresso americano tão dividido. Durante uma hora e nove minutos em que o presidente dos EUA, Donald Trump, fez seu primeiro pronunciamento às duas casas (Senado e Câmara dos Deputados), quebrou-se a tradição em que, mesmo quando não concordam, deputados e senadores aplaudem. Fazem isso, não em homenagem ao comandante-em-chefe da ocasião. Costuma ser uma reverência à instituição "presidente dos EUA".
No caso de Trump, em vários momentos, metade da plateia, formada por democratas, não aplaudiu, muito menos se levantou das cadeiras. O constrangimento começou a aparecer quando o presidente iniciou uma série de ataques ao Obamacare, como é chamada a reforma no sistema de saúde implantada pelo antecessor, Barack Obama:
- O Obamacare está em colapso - atacou Trump, recebendo gritos e aplausos de simpatizantes e vaias dos opositores.
Na maior parte do tempo, o presidente republicano fez um discurso em tom nacionalista para o público interno. Era curioso ver Paul Ryan, logo atrás de Trump, aplaudindo e sorrindo diante das falas de Trump. No ano passado, Ryan, o speaker, como é chamado o presidente da Câmara, rompeu com então candidato. Trump, à época, o acusou de desleal. Na noite desta terça-feira, pareciam velhos amigos.
Antes de tocar na questão da saúde, Trump defendeu a construção do muro na fronteira Sul - não citou o México nem disse que os mexicanos irão pagar pela obra. Em vários momentos, cutucou os democratas, ao citar os altos índices de criminalidade em Chicago, metrópole que é berço político de Obama. Também relacionou a violência urbana à imigração ilegal e anunciou a criação do Voice - Victims os Immigration Crime Engagement, uma espécie de agência para vítimas de crimes cometidos por imigrantes, que já nasce em meio a controvérsias.
Como estava mais preocupado em falar de assuntos domésticos, praticamente não aprofundou temas relacionados à política externa: garantiu aliança com a Otan, mas cobrou apoio financeiro dos países aliados, também disse que a parceria com Israel é "inquebrável", e reforçou que irá eliminar o grupo terrorista Estado Islâmico. Todos esses temas mereciam mais atenção do presidente, que não tocou no nome da Rússia (a quem costuma dizer ser aliado) e muito rapidamente citou a China (eleito inimiga número 1 no plano econômico).
- Meu papel não é representar o mundo. É representar os Estados Unidos da América - afirmou.
Em alguns momentos, reforçando os aplausos que recebia, o próprio Trump aplaudia a si mesmo.
Uma boa estratégia de sua equipe para tentar unir o plenário - e funcionou - foi levar para o Congresso cidadãos americanos que ajudavam a ilustrar o discurso, com exemplos de superação. Um dos momentos mais emocionantes foi quando Trump prestou homenagem a William Ryan Owens, membro de um comando SEAL da marinha morto em combate no Iêmen. Sua esposa, na plateia, foi aplaudida de pé, em uma das raras vezes em que democratas e republicanos se uniram.
*ZERO HORA