O governo alemão vive uma lua-de-mel com o Rio Grande do Sul. Na quinta-feira, a empresa Fraport AG venceu o leilão para administrar o aeroporto Salgado Filho; há avanços na implantação do Medical Valley, espécie de cluster de empresas de tecnologias para a área da saúde, a ser desenvolvido no Vale do Sinos; em abril, um centro de estudos alemães e europeus será instalado na Capital; e, no fim do ano, Porto Alegre sediará o encontro econômico anual Brasil-Alemanha. As boas notícias são comemoradas pelo diretor para América Latina e Caribe do Ministério das Relações Exteriores, embaixador Dieter Lamlé, que está no Rio Grande do Sul.
- Conhecendo as dificuldades econômicas que o Brasil atravessa, a Alemanha e uma empresa alemã se mostram ativas e entram no mercado brasileiro e não saem, como muitas estão fazendo - afirmou Lamlé, em entrevista à coluna nesta segunda-feira.
Durante a conversa, o embaixador também falou sobre a necessidade de o Brasil recuperar a confiança dos mercados externos, depois da Operação Carne Fraca, da Polícia Federal, sobre Mercosul e o crescimento do populismo na Europa.
Como o governo alemão recebeu a notícia de que a Fraport AG irá administrar o aeroporto Salgado Filho?
Foi uma grande alegria para nós conseguir essa concessão do aeroporto de Porto Alegre para a Fraport. É um investimento de cerca de 350 milhões de euros. O sinal é: conhecendo todas as dificuldades econômicas que o Brasil atravessa, a Alemanha e uma empresa alemã se mostram ativas e entram no mercado brasileiro, e não saem, como muitas estão fazendo. Se olharmos para dois anos atrás e agora, há um desenvolvimento muito intenso das relações entre Brasil e Alemanha no Rio Grande do Sul. Temos a Fraport, que agora vem se instalar aqui, também a implantação do Medical Valley, que já está em processo de instalação e concretização de suas finalidades. Temos o Centro de Estudos Alemães e Europeus, que será inaugurado em Porto Alegre, em 10 de abril. Além disso, em novembro, teremos um encontro econômico Brasil-Alemanha, que já acontece há 35 anos e pelo qual Porto Alegre lutou para trazer essa edição pra cá. Isso mostra o desenvolvimento das nossas relações e a confiança dos alemães no trabalho do Rio Grande do Sul. Também temos grande prazer em ver que, no Brasil, temos 1,8 mil empresas alemãs estabelecidas em São Paulo. É a mesma quantidade que temos em Xangai. São grandes concentrações no mundo. Mas também (é importante) descentralizar esses investimentos, olhando agora para o Sul, uma região que tem 5 milhões de descendentes de alemães, com um futuro cultural que pode somar muito.
Podemos esperar voos da Lufthansa em Porto Alegre?
É cedo para pensar isso porque a Lufthansa atende São Paulo e Rio de Janeiro. Se ela está pensando nisso, ainda não é o momento para chegarmos a essa conclusão porque o desenvolvimento dos trabalhos aqui ainda é inicial. Isso ainda levará algum tempo para ser estabelecido. O importante é que esse projeto (a administração do aeroporto Salgado Filho pela Fraport) seja trabalhado e se desenvolva de uma forma positiva. Há de se considerar a diferença entre transporte de passageiros e de cargas, esse segundo ponto foi muito importante para que a Fraport concorresse a essa concessão.
A ideia é tornar o aeroporto um elo da União Europeia (UE) com o Mercosul?
É interesse da Alemanha. Na semana passada, tivemos reuniões na Argentina com a comunidade europeia. Trata-se de um trabalho que já vínhamos fazendo há 19 anos e chegamos a um denominador comum. A Alemanha quer um acordo comercial da UE com o Mercosul o mais rápido possível. Um acordo de substância, que tenha uma boa estrutura, talvez não saia esse ano, mas não passará de 2018.
Por que essa pressa pelo acordo, como alternativa aos EUA, cujo governo cada vez mais se mostra isolacionista?
Isso é totalmente independente em relação ao advento Trump. As negociações sobre os acordos entre os EUA e a União Europeia estão congelados no momento, mas é justamente aqui (no Mercosul) que se fala em livre-comércio. O que queremos é livre-comércio. As pontes estão aí, existem, falta trabalhá-las. Coisas que estavam sendo adiadas... Chegou a hora, está no ponto de maturação para esse acordo de livre-comércio entre o Mercosul e a comunidade europeia acontecer.
Em que ponto está a instalação do Medical Valley no Vale do Sinos?
Esse trabalho de integração entre empresa e pesquisa é a base do Medical Valley (na Alemanha), que também será transposto aqui. A Siemens entra com toda a parte de pesquisa e inovação na Alemanha e é um pilar da indústria alemã. Você tem a pesquisa e a inovação trabalhando para a indústria. Com o suporte desse Centro de Estudos Alemães e Estudos Europeus, que está sendo criado no Rio Grande do Sul, o Medical Valley vai linkar a indústria e a academia, com pesquisa e desenvolvimento. Vai fazer a ligação da economia não tradicional com a tradicional, não que sejam antagônicas, mas que possam trabalhar em conjunto no desenvolvimento. É preciso acabar com essa ideia de antagonismo entre o tradicional e o avançado.
Como impactou no mercado alemão a operação da Polícia Federal sobre frigoríficos que vendiam carne com problemas de qualidade? Como está a confiança em relação ao produto brasileiro?
Claro que o consumidor alemão não gosta de ser enganado e de comer carne de baixa qualidade. Acho que o caminho a ser seguido é: definir (o tamanho) do problema que aconteceu, tomar as providências, tirar do mercado os lotes com problemas de qualidade e que se confronte os envolvidos. Tirar do mercado, mostrar o que aconteceu e mostrar não só para o consumidor interno, mas também ao externo, para que ele saiba o que aconteceu. Ouvi que alguns países já baniram a carne brasileira, inclusive alguns vizinhos disseram: "Não vamos mais consumir a carne brasileira". É uma questão de identificar, tirar do mercado e punir os responsáveis. O mais importante é estabelecer de novo a confiança na carne brasileira, esse trabalho de formiguinha que tem de ser feito para recuperar a confiança.
Como o senhor vê o crescimento de partidos populistas e de extrema-direita na Europa? O Brexit pode se estender a outros países da UE?
Existe um partido populista de direita na Alemanha, que vem se mostrando mais ativo. Houve uma eleição em um dos Estados federados recentemente. Esperava-se que esse partido (Alternativa para a Alemanha) fizesse entre 12% e 15%, eles conseguiram apenas 6%. Na verdade, independentemente dos partidos, na mente das pessoas está crescendo esse populismo de direita. Isso tem a ver com os refugiados, que têm chegado à Alemanha. Há uma sensação de que parte desses habitantes sente que não está sendo atendida pelos partidos e pelos políticos. Suas ansiedades e necessidades não estão sendo atendidas. Esse é um clima que permite a ascensão do populismo em qualquer país. A Alemanha está observando com muito cuidado e tensão as eleições do próximo dia 23 de abril e início de maio na França. Se esse laço Berlim-Paris se romper e com a saída do Reino Unido da UE, o que mais pode acontecer? Quais outros países podem ser afetados? Essa é uma situação que não queremos.
Como vocês avaliam hoje a política de portas abertas da Alemanha em relação aos refugiados depois dos ataques extremistas que se intensificaram na Europa?
A política de refugiados fez parte da história da Europa e da Alemanha nos últimos tempos. A chanceler abriu as portas da Alemanha, aceitando os refugiados. Isso trouxe críticas de alguns países, mas a maioria das nações ficou ao lado da Alemanha. Esse gesto humanitário trouxe uma boa visão (para o país) em nível mundial. Por outro lado, é verdade que a Alemanha e a Europa não podem receber por toda a vida refugiados, porque não os comporta. Esse fluxo deve ser regulado. Há várias formas de fazer isso: aceitar como refúgio legal, para que as pessoas venham com profissão para a Alemanha e que não morram nas travessias. Que se possa encerrar ou fechar as portas para os que ganham com esse tráfico de pessoas. Essa cadeia deve ser rompida. Na verdade, devem fazer um melhor controle de fronteiras, os serviços de segurança devem ser melhorados, mas também (é preciso) trabalhar na origem do problema.
A Alemanha esperava um encontro mais quente entre Angela Merkel e Donald Trump?
O mais importante é que esse encontro tenha acontecido.