Cinco anos depois, o projeto conhecido como Escola sem Partido, que proíbe "doutrinação política ou ideológica" em sala de aula, ressurge na Câmara de Porto Alegre. E tudo indica que será aprovado — como, aliás, já foi, em dezembro de 2019, quando acabou derrubado na Justiça por um detalhe regimental.
Uma pena não ter ficado para trás. O Escola sem Partido é um desserviço na estruturação intelectual de qualquer jovem. E digo isso justamente por ser contra todo tipo de doutrinação. Muito me agrada — e já escrevi sobre isso — que os professores ofereçam conteúdos diferentes daqueles que os pais já transmitem (e tentam impor) às crianças. Senão, para que serve a escola?
O aluno ideal, como dizia Contardo Calligaris, é o que contesta os pais com o que aprendeu no colégio e contesta o colégio com o que aprendeu com os pais. Se a escola e a família são os grandes instrumentos de formação — e de deformação — dos jovens, não pode ser saudável que ambas "concordem" o tempo todo. Pelo contrário: é a divergência entre elas que cria o espaço de conflito necessário para o aluno encontrar sua própria autonomia.
Sempre foi assim. Mas, de uns anos para cá, um narcisismo crescente levou pais a exigirem da escola a reprodução da cartilha da família. Conheço uma moça ateia, por exemplo, que vetou o filho de seis anos, na primeira série do Ensino Fundamental, de frequentar as aulas de religião. A intenção, claro, era que o garoto "não fosse doutrinado". Para mim, a doutrinação aqui é da mãe.
Eu detestaria que meus filhos fossem doutrinados com base na Bíblia, mas me pareceria igualmente grave vê-los crescer sem conhecerem o livro de maior referência para a formação da cultura ocidental. Também acharia péssimo vê-los doutrinados no marxismo, mas outro absurdo seria eles nunca lerem nada sobre o pensamento que foi a sensação intelectual do século 20. Até porque, no fim das contas, como poderão discordar de algo se mal sabem do que se trata?
Alguns professores fazem proselitismo, sim, é verdade. Mas cada escola precisa encontrar suas soluções. Ao instituir uma lei, botando a força do Estado na jogada, não há como fugir da ameaça de censura ou do denuncismo macartista. E isso é postura de doutrinador.