Dizem que o governo só é corrupto porque a população é corrupta. Talvez seja o lugar-comum mais recorrente quando alguém tenta interpretar o povo brasileiro.
Nesta semana, a notícia de uma infâmia tipicamente tupiniquim reacendeu essa teoria. O repórter Paulo Rocha, da Rádio Gaúcha, mostrou que metade dos pedidos de auxílio-reconstrução em Porto Alegre está sob suspeita de irregularidade. Entre os irregulares, claro, nem todo mundo está sendo desonesto, mas sabe-se que abundam casos de gente pedindo auxílio sem ter sido atingida.
Por que somos assim? Aliás, somos mesmo um povo corrupto? E a corrupção dos políticos é, de fato, uma extensão da nossa? Bem. Existe uma outra teoria, essa mais antiga, vem lá de Platão e Aristóteles, que levanta outra hipótese. É a tese do mimetismo: quando o ocupante de um cargo superior comporta-se de maneira imoral, seus subordinados sentem-se autorizados a fazer o mesmo. No Brasil, um país com míseras quatro décadas de democracia, não seria exagero dizer que os ocupantes de cargos superiores comportam-se de maneira imoral há 524 anos.
Aliás, vale lembrar que os dois maiores ídolos da política atual, no Brasil, são frequentemente associados à corrupção. Mas desde os portugueses – que arrancavam as riquezas daqui e as mandavam para longe –, atravessamos séculos de regimes arbitrários em que essa cultura extrativista, de obter vantagem em vez de construir, foi alimentando no brasileiro um tipo específico de subversão. O brasileiro respeita as leis quando está no Exterior, mas desrespeita as leis aqui, porque acha seu país uma porcaria. O brasileiro fala mal do Brasil como talvez nenhum outro povo fale da sua terra.
É uma injustiça, temos conquistas indiscutíveis – especialmente nos últimos 40 anos –, mas estou falando de uma cultura secular. Quando visita o Primeiro Mundo, o brasileiro paga imposto e recebe o quinhão de volta. Aqui, não: aqui, 40% do que ele produz vai para o governo, que retira, retira, retira e não devolve em segurança, em saneamento, em educação.
— Eu vou é sonegar — pensa o brasileiro, ou: — Eu vou é pegar esse auxiliozinho aqui.
Ele está errado, não há dúvida, mas o Estado tirânico o incentiva a agir assim. Quando o Estado funciona, quando as instituições funcionam, as brechas para a corrupção progredir são menores. O fato é que, aos trancos e barrancos, sim, estamos avançando, mas a culpa sempre foi mais deles, lá em cima, do que nossa, aqui embaixo.