Vibrei com a coluna do meu amigo Jocimar Farina, na qual ele informava que duas pichadoras flagradas em Porto Alegre terão de pagar, cada uma, até R$ 11,5 mil em multa. Que maravilha.
Até três anos atrás, você podia pichar a janela do gabinete do prefeito, que, ainda assim, não pagaria nem 10 pila. Só que as coisas mudaram – e já vou explicar por que, mas, antes, gostaria de especificar as razões do meu entusiasmo com essa notícia.
Conheço muita gente que defende a pichação. Dizem que ela é rebelde, transgressora, um ato de desobediência civil, uma forma de dar voz a quem vive à margem da sociedade. A pichação seria a resistência dos excluídos, a rebelião em forma de tinta, um silencioso grito de insatisfação popular. Com todo o respeito: que bobagem.
Houve uma época, de fato, em que a pichação não só era justificável como era necessária. Na Era Vargas ou na ditadura militar, pintavam-se as paredes para alertar a sociedade sobre o regime tirânico. Porque, claro, só haviam sobrado as paredes: a imprensa fora censurada, a oposição fora cassada, toda divergência fora calada. Não havia formas de se comunicar, não havia redes sociais, então a pichação tornou-se uma rara via de contato entre a população e o outro lado.
Passado esse período de trevas, permaneceu uma aura romântica em torno de uma contravenção que, atualmente, não costuma servir para nada além de destruir. A maioria esmagadora das pichações não tem indicativo político, não incita reflexão alguma, não convoca a população, não prega qualquer mudança, não estimula a participação democrática nem coisa nenhuma: são apenas sinais ou nomes cifrados de gente tão inútil quanto covarde.
Covarde porque, como diz o Caue Fonseca, aqui da Zero, essa turma só ferra o pobre. Ela ataca o imóvel exposto ao público – aquele sem grades, sem vigilante, sem qualquer condição de defesa –, mas poupa a mansão milionária com um mastodonte guardando a porta. Ela ataca a vendinha da esquina, mas poupa o hipermercado. Ela ataca o coitado que não consegue pagar R$ 400 para pintar a parede de branco, mas poupa quem teria R$ 400 mil para pintar o bairro inteiro.
Uma lei sancionada há três anos deu esse poder à Guarda Municipal: antes, só fiscais do município podiam multar pichadores.
Não estou dizendo que deveriam pichar a casa dos ricos, mas pode haver algo menos corajoso e transgressor do que prejudicar os mais pobres? Não, não pode, e por isso comemoro a multa das duas pichadoras – especialmente porque se trata de uma mudança de paradigma. De 2019 para cá, a Guarda Municipal flagrou e autuou 65 pessoas pichando.
Isso só foi possível graças a uma lei sancionada há três anos, que deu esse poder aos guardas de Porto Alegre: antes, só fiscais do município podiam aplicar multas por vandalismo, só que os fiscais raramente andam à noite na rua, então ninguém era punido.
Agora, a coisa mudou. Além de ir para a delegacia, quem é flagrado pichando precisa abrir a carteira e pagar por uma estupidez travestida de rebeldia. Que maravilha.