Dois dias antes da aprovação da Lei Áurea, em maio de 1888, o senador João Mauricio Wanderley, o Barão de Cotegipe (1815-1889), não escondia sua irritação na tribuna:
– Enfim, senhores, decreta-se que neste país não há propriedade! Que tudo pode ser destruído por meio de uma lei, sem atenção nem a direitos adquiridos, nem a inconvenientes futuros!
Líder da bancada escravagista, Cotegipe foi um dos seis senadores – eram 71 no total – que votaram contra o projeto que propunha interromper um dos capítulos mais pavorosos da história brasileira. Ou seja, o barão já era atrasado naqueles tempos: todos os países do Ocidente, exceto o nosso, já tinham abolido a escravidão. Mas até hoje, 132 anos depois, o Brasil ainda convive com homenagens ao infame senador – uma delas, em Porto Alegre.
A Rua Barão do Cotegipe, no bairro São João, vai trocar de nome se depender de um movimento que reúne cada vez mais gente. Mais de 30 entidades e quase 400 pessoas, entre historiadores, professores, profissionais liberais, funcionários públicos e militantes da causa negra, assinam o Manifesto Contra o Racismo na Rua (leia a íntegra aqui).
"Em um tempo em que o mundo confronta o racismo, onde estátuas de racistas são derrubadas, é preciso derrubar o nome de uma figura associada a uma nefasta época da história brasileira: o escravismo. Porto Alegre não pode manter essa homenagem", diz um trecho do texto.
– O que queremos é que a Câmara de Vereadores discuta o assunto – afirma um dos idealizadores do movimento, Jorge Terra, que é procurador do Estado e presidente da Comissão da Verdade Sobre a Escravidão Negra da OAB-RS.
Segundo Terra, não se trata de apagar a história ou a memória do país: trata-se de repensar os valores que a nossa sociedade está cultuando.
– Uma cidade que considera seus espaços imutáveis, sob a justificativa de que eles representam uma realidade do passado, na verdade não quer debater seu presente – avalia o procurador.
O movimento começou quando o advogado Plínio Melgaré, professor de Direito da PUC e da Fundação Escola Superior do Ministério Público, pesquisava sobre as recentes manifestações contra o racismo que se espalharam pelo mundo. Ao investigar como o Brasil vem tratando a questão, descobriu uma série de homenagens ao Barão de Cotegipe – que também dá nome a um município no norte do Estado.
– Não sou negro, mas imagine uma pessoa negra saber que, na sua cidade, alguém que gostaria de mantê-la escrava vira até nome de rua – diz Melgaré.
No manifesto, o grupo não chega a sugerir uma nova denominação para a via – a ideia é que essa discussão seja feita na Câmara. Mas qualquer coisa deve soar melhor do que o nome atual.