Não sei qual é a estupidez maior. Impedir jovens de protestar pacificamente – e no ambiente mais protegido e familiar possível, que é o pátio de uma escola –, ou justificar a arbitrariedade alegando "doutrinação ideológica". Quando esse pessoal vai reconhecer que os doutrinadores são eles?
Mas comecemos pelo começo: nos últimos dias, enquanto a página do Colégio Rosário no Facebook era bombardeada (no sentido figurado, melhor ressaltar) por eleitores de Bolsonaro, um grupo anunciava entrar na Justiça contra essa e outras tradicionais escolas de Porto Alegre – como o Bom Conselho, o Aplicação e o Santa Inês. Tudo porque seus alunos, no dia seguinte à eleição, foram ao colégio vestidos de preto e gritaram no pátio a plenos pulmões:
– Seremos resistência! Seremos resistência!
Uau. Como se vê, uma coisa muito perturbadora.
Centenas de indignados decidiram que a culpa era dos professores, que teriam "viés ideológico de esquerda" – porque os alunos, obviamente, devem ser um bando de retardados incapazes de fazer juízo crítico sobre qualquer coisa. Não adiantou as escolas lançarem notas dizendo que não, que as manifestações foram organizadas pelos próprios estudantes, apenas monitoradas por professores. A histeria prosseguiu contra o tal "aparelhamento esquerdopata" dos colégios.
Eu aqui, sendo bem franco, acho ótimo que protestem contra Bolsonaro como acharia ótimo que protestassem contra o PT. Dê-me um jovem que tira nota baixa, mas não me dê um jovem conformado. Aliás, no dia seguinte à manifestação, outros alunos resolveram responder aos colegas, no Colégio Rosário, e fizeram um ato a favor do presidente eleito:
– Olê-olê, olê-olê, tamo na rua para derrubar o PT!
Tudo na mais absoluta paz. Todos se expressando, convivendo com a divergência, dividindo civilizadamente o mesmo espaço – em resumo, conhecendo a democracia. E dentro da escola. Como pode alguém falar mal desses professores? A explicação é óbvia. O que os censores querem é precisamente o que dizem abominar: doutrinação. Desde que seja, claro, a doutrinação que lhes agrada. Bote os alunos a bater continência na aula de Moral e Cívica, estudando o criacionismo e ouvindo horrores sobre direitos humanos e pronto: ninguém mais fica brabo.
Os mesmos que acham inadmissível a violência contra professores não se importam em estimular a hostilidade entre alunos e docentes.
Enquanto isso não ocorre, os mesmos que acham inadmissível a irmã de um estudante quebrar os dentes de uma professora – para citar outro caso que ocorreu em Porto Alegre dias atrás – não se importam em estimular a hostilidade entre alunos e docentes. Uma deputada eleita por Santa Catarina, por exemplo, pediu que estudantes lhe enviassem vídeos de professores de esquerda que tentam doutriná-los em aula.
Toda essa narrativa de que o professor deve ser vigiado, de que não merece a confiança da classe, de que é um potencial inimigo prestes a usurpar o cérebro dos pobrezinhos, tudo isso incita a revolta do aluno e intimida um profissional que precisa se expressar. E, como já escrevi na semana passada, justamente por detestar todo tipo de doutrinação, a mim agrada que os professores ofereçam conteúdos diferentes daqueles que os pais já transmitem – e tentam impor – às crianças. Senão, para que serve a escola?
Voltando a lembrar Contardo Calligaris: o aluno ideal é o que contesta os pais com o que aprendeu no colégio e contesta o colégio com o que aprendeu com os pais. Exigir que a escola reproduza a cartilha da família – impedindo o jovem de entrar em contato com tudo o que desagrada a papai e mamãe – não é só defender a mediocridade. É praticar doutrinação.