Aluna do segundo ano do Ensino Fundamental de uma escola privada de Porto Alegre, Mariana*, oito anos, compartilhou com os colegas de aula a notícia devastadora que havia recebido:
— O Bolsonaro vai me matar.
Foi essa a conclusão a que chegou a menina, negra, ao ouvir discussões relacionadas aos candidatos concorrentes à Presidência da República no segundo turno das eleições, Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT). Consternada com a situação da amiga, uma garota da mesma sala chegou em casa e desabafou com a família:
— Vamos salvar a Mariana!
Em meio ao vendaval de informações, brigas e boatos das últimas semanas, as crianças resolveram agir, mas se confundiram na hora de manifestar apoio à coleguinha que estaria supostamente em risco. Inspiradas no discurso do pai de um outro estudante da mesma turma, confeccionaram cartazes com os dizeres "Fora PT" e rumaram ao pátio para externar sua preocupação com Mariana.
O episódio recente ilustra como as crianças não ficaram imunes à agressividade, às ofensas e à deturpação dos fatos que pautou a campanha eleitoral. Mãe de uma menina de 12 anos de outro colégio da Capital, Patrícia ficou chocada com o baixo nível dos áudios trocados entre os pré-adolescentes via celular.
— Ela ficou mais irritada e preocupada, principalmente com a reação de colegas que demonstraram preconceito. Ela me questionou como poderiam pensar dessa forma e disse que não se aproximaria mais deles. Houve uma nítida divisão — relata a mãe, acrescentando que as contendas foram tão intensas também entre os adultos que o grupo de WhatsApp em que antes os pais interagiam está praticamente desativado.
Psicóloga de crianças, adolescentes e adultos, Aidê Knijnik Wainberg afirma que pais e mães devem continuar atentos à forma como os filhos absorvem esse clima de extrema polarização, tomando cuidado com o que falam. É preciso ter paciência para conversar, respondendo de forma clara e objetiva às perguntas. Aidê destaca que não se deve discutir política com crianças, mas sim explicar conceitos como cidadania, respeito e convivência pacífica com a divergência. No consultório, ela recebeu pequenos pacientes aflitos, tentando digerir o significado de retalhos de informações captados no noticiário ou no entorno da mesa das refeições.
Os pais ainda estão muito ansiosos, mas têm que pensar sobre isso, dar para a criança uma esperança no futuro. Eles precisam ser mais tolerantes nas discussões. É difícil, mas é o momento de fazer isso.
AIDÊ KNIJNIK WAINBERG
psicóloga de crianças, adolescentes e adultos
— Sabia que eu vou embora do Brasil se o Bolsonaro ganhar? Aí eu não vou mais vir aqui falar com você — disse uma menina de seis anos, triste pela possível perda do contato com a psicoterapeuta.
— Meu pai disse que o Lula tem que ficar preso. Você acha que ele é ladrão? — questionou outra, de sete anos.
Aidê afirma ser importante que os adultos mostrem que o afeto está acima de desavenças políticas. Pessoas importantes na vida da criança, como padrinhos, por exemplo, não deveriam simplesmente desaparecer do convívio dos afilhados depois de um acalorado confronto com os compadres.
— "Você não vai mais na casa do seu dindo." Que laço frágil é esse? Como fica na cabeça da criança? Isso causa sofrimento e insegurança. "Meu dindo não gosta mais de mim", ela pensa. Os pais ainda estão muito ansiosos, mas têm que pensar sobre isso, dar para a criança uma esperança no futuro. Eles precisam ser mais tolerantes nas discussões. É difícil, mas é o momento de fazer isso — aconselha Aidê. — Não adianta ofender alguém e depois dizer para a criança que é preciso respeitar. Você ensina com exemplo, não só com palavras — complementa.
Para tentar amenizar a tensão e o desconforto entre os adultos, a psicóloga e doutora em Psicologia Ana Maria Rossi, especialista em estresse, recomenda que, antes de agir, cada um primeiro pense a respeito dos embates em que se envolveu. Com quem ocorreram esses conflitos? Pai, irmão, colega de trabalho ou um quase desconhecido que mora no mesmo condomínio? Caso se trate de uma pessoa relevante no seu círculo de relações, é importante reconhecer que você exagerou tentando impor suas ideias e que o outro tem o direito de divergir. Quem tem uma boa autoestima, segundo Ana Maria, consegue reconhecer seus excessos e tomar a iniciativa de uma reaproximação sem se sentir rebaixado.
— É uma postura de grandeza da pessoa: "Olha, me excedi, não é do meu feitio fazer isso". Não é se humilhar — explica a psicóloga, presidente da International Stress Management Association (Isma-BR).
Se a outra pessoa tiver como característica marcante a agressividade e não for indispensável ao seu dia a dia e bem-estar, talvez o melhor a fazer seja virar a página, pontua a psicóloga. Em encontros eventuais, evite tocar no assunto que provocou a ruptura e inclusive se afaste fisicamente, nem que seja simulando que precisa atender a uma ligação telefônica. Por fim, Ana Maria sugere a prática da empatia:
— Devo tratar a pessoa como eu gostaria que ela me tratasse, independentemente se ela vai ou não me tratar bem.
*Os nomes foram trocados para preservar a identidade dos entrevistados.