Essa coisa de dar opinião, já disse que às vezes é meio frustrante. O cercamento da Redenção, por exemplo. Sei que a prefeitura é simpática à ideia. Também sei que a iniciativa privada aceita bancar os custos – o vice-presidente do Sinduscon me disse que basta "um fim de semana" para captar o dinheiro todo.
Estou há mais de mês pensando em escrever um texto apoiando o gradeamento, que de uns tempos para cá me parece inevitável, mas aí, claro, fui pesquisar sobre o assunto, ler argumentos contrários e favoráveis, até que fui abatido por um angustiante sentimento chamado dúvida.
Quer dizer, já fui contra o cercamento, depois virei a favor, e finalmente hoje minha posição é: não sei. Decidi, então, aguardar o dia em que minha opinião estivesse definitivamente formada para escrever sobre o assunto, só que quanto mais eu me informava mais em dúvida eu ficava, e aí lembrei do Contardo Calligaris.
Contardo escreveu certa vez que, quanto mais ignorantes somos sobre determinado assunto, mais certezas temos sobre ele. Não é uma suposição, é um fato. Quanto menor é a nossa extensão, a nossa profundidade, o nosso conhecimento em relação às dezenas de variáveis que envolvem determinado tema, mais fácil é formar convicções sobre esse tema.
Em 1999, dois psicólogos da Universidade Cornell comprovaram o fenômeno. Já vou voltar ao cercamento da Redenção, mas primeiro deixem-me dizer isso aqui. Esses psicólogos juntaram um grupo de voluntários e botaram todos a praticar experiências diversas – desde jogar xadrez e dirigir um carro até fazer cirurgias em cadáver de mentira.
Em todos os casos, as pessoas incompetentes não reconheciam o tamanho da própria incompetência. Só começavam a entender o quanto eram ignorantes depois que começavam a treinar e a adquirir conhecimento sobre aquilo. Ou seja, quem busca a instrução invariavelmente se afasta das certezas. Torna-se mais humilde e mais disposto a duvidar de si mesmo.
Portanto, se você quiser ter certeza sobre qualquer assunto, eis a fórmula: não leia sobre ele, não ouça o outro lado, não tente entender as nuances, não pergunte a quem sabe. É muito fácil ter certezas. Eu tinha certeza de que o cercamento da Redenção era uma boa. E talvez seja mesmo, sigo em dúvida.
Porque, com os portões de acesso monitorados pela Guarda Municipal, seria mais fácil controlar quem entra e quem sai – o que ajudaria a reprimir a violência cotidiana do parque. Se uma pessoa fosse assaltada, por exemplo, bastaria avisar um guarda: os portões seriam fechados, e a polícia encontraria mais facilmente o criminoso. Isso em tese, claro – funciona em outros países; se vai funcionar aqui, não garanto.
Outra coisa é que a Redenção tem um patrimônio artístico e cultural riquíssimo. No ano passado, 12 monumentos vandalizados foram restaurados por um projeto do Sinduscon, mas, em menos de um mês, já estavam todos destruídos. Ora, como a maioria das depredações ocorre à noite, não há dúvida de que esse tesouro da cidade estaria mais protegido com os portões fechados.
Meu receio é de que o cercamento preserve o patrimônio que está dentro da Redenção mas destrua o que está na margem
Mas, semanas atrás, fui ler um artigo do arquiteto e urbanista Anthony Ling. Ele argumenta que, quando se ergue uma barreira ao redor de um parque, cria-se uma "zona morta" em sua periferia. Do lado de dentro, as pessoas evitam caminhar perto da cerca porque o ambiente torna-se antipático, monótono, desagradável. Do lado de fora, os pedestres também se afastam das grades pelo mesmo motivo.
Ling tem razão em seu raciocínio: espaços públicos desertos não são apenas entediantes. São ambientes propícios para qualquer atividade ilegal – desde um furto até um estupro. E não é à toa que o Parque do Ibirapuera, sempre citado pelos entusiastas do cercamento, concentra seus problemas de segurança em seu entorno. Minha dúvida sobre as grades se aprofunda quando penso no perfil da Redenção: sua área mais pulsante é justamente a sua margem, onde há botecos e floriculturas, onde há o brique e a calçada da Osvaldo.
Meu receio é que o cercamento, além de deslocar a violência para outro local, preserve apenas o patrimônio que está dentro da Redenção mas destrua o que está fora: a interação social no contorno do parque. Não tenho respostas. Às vezes, as perguntas podem ser mais produtivas.
Sei que isso vai soar como desculpa para eu ficar – com o perdão do trocadilho – em cima do muro, mas, em uma época tão marcada por divisões e antagonismos, não custa lembrar que a certeza é proporcional à ignorância.