A Rosane de Oliveira, nossa especialista em política, aos domingos escreve crônicas sobre a vida. Se você não acompanha, sugiro que acompanhe – mas é só no GaúchaZH, que no jornal impresso ela segue na política.
Pois no domingo passado a Rosane escreveu sobre seus 30 anos de casamento com o Tailor. E lembrou que os dois se conheceram na Rádio Guaíba, onde trabalhavam juntos. "Aquilo que nos parecia normal na década de 1980, o flerte entre colegas de trabalho, hoje pode dar processo judicial por assédio", avaliou ela, lembrando que "hoje as coisas mudaram". Segundo a Rosane, "olhar no olho ou elogiar a beleza de alguém pode ser interpretado como crime de lesa-dignidade".
Não importa muito se alguém concorda ou discorda. O fato é que a Rosane identificou com precisão um silencioso dilema contemporâneo: os homens não sabem mais no que consiste ser homem.
Antes que me esculachem com ironias do tipo "ó, meu Deus, pobrezinho do homenzinho coitadinho que agora pensa que é vítima", gostaria de ressaltar que jamais negaria o suplício diário das mulheres com a violência do assédio, com as brutalidades cotidianas e com a estupidez dos idiotas, mas eu aqui, que não sou mulher, quero agora falar sobre o que é ser homem neste momento marcado por novas – e justas – exigências femininas.
E resumo assim: não é mole.
Porque os homens enfrentam uma transição sobre o próprio conceito de ser homem. Eles hoje não sabem quem são. Não sabem para que servem. Não sabem que papel cumprem na sociedade, no trabalho, na família, no casamento, em nada.
Parece dramático?
Pois somos a terceira ou quarta geração de homens que convivem o dia inteiro com mulheres. Em toda a história da humanidade, elas cuidaram das crianças e da casa, enquanto nós trabalhávamos para sustentá-las – na fábrica, no campo ou nos escritórios. E, mesmo quando elas trabalhavam, faziam isso com outras mulheres.
A ensaísta americana Camille Paglia afirma que, depois que os dois sexos passaram a dividir o mesmo espaço no mercado de trabalho, deu-se uma silenciosa frustração entre os homens: se a atividade que faço também pode ser feita por uma mulher, no que consiste a minha masculinidade?
As mulheres já fazem quase tudo o que um homem era valorizado por fazer. E ainda nos cobram, corretamente, que façamos o que apenas mulheres faziam. O que é ser homem em meio a tudo isso? Não estou dizendo que somos vítimas – em nome de um improrrogável avanço social, precisamos e vamos nos adaptar –, o que estou dizendo é que estamos perdidos.
As mulheres já fazem quase tudo o que um homem era valorizado por fazer. E ainda nos cobram, corretamente, que façamos o que apenas mulheres faziam.
Se na década de 1960 as mulheres conquistaram o mercado de trabalho e a liberação sexual, a geração atual quer mais: exige o respeito incondicional dos homens na rua, o fim das piadinhas do chefe, a divisão das tarefas domésticas, a igualdade salarial e a autonomia sobre o próprio corpo – o que inclui desde vestir as roupas que bem entender até a legalização do aborto. Tudo isso, repito, é muito justo.
Mas, por exemplo, ainda que a maioria dos homens que conheço jamais ousasse abordar uma mulher na rua, uma inevitável autocensura nos brota na cabeça. Tenho conversado com amigos. Até onde posso ir?, eles pensam. Devo encarar nos olhos a mulher que me atrai? São pequenos dilemas morais que nos perseguem cada vez mais.
E ser cavalheiro? Durante séculos e séculos, ser cavalheiro sempre foi, diante de uma mulher, ser homem. Mas tenho lido e ouvido que o cavalheirismo é machista, porque parte da premissa de que a mulher é mais fraca fisicamente, economicamente ou emocionalmente. E só uma sociedade que legitima a subordinação das mulheres poderia aplaudir esse tipo de conduta.
E assim nós, homens, vamos perdendo a aura de provedores, de sexo forte, de comedores. Não sabemos direito quem somos porque, por outro lado, não podemos ser sensíveis demais, elas não gostam. E ainda precisamos ter a tal "pegada", porque elas gostam. E boa parte das mulheres, a gente sabe, não vai tomar a iniciativa de abordar um homem em um bar ou uma balada. Bem ou mal, ainda é nosso papel.
Por isso, Rosane de Oliveira, ainda acredito no flerte, inclusive no trabalho. Mas estamos com medo de flertar. Somos uns medrosos. Foi-se a época em que homem não tinha medo.