Há muito de maquiavelismo nas manobras do presidente Jair Bolsonaro para arrastar as Forças Armadas na direção da linha de tiro das urnas eletrônicas. Bolsonaro estimula os contra-ataques e, com eles o espírito de corpo em reação às críticas pelos questionamentos eleitorais do ministro da Defesa, um general que até semanas atrás comandava o Exército e, nesta condição, prestava continência incondicional a seu comandante supremo - o presidente da República.
Convidado a aferir a confiabilidade das urnas, o comando militar vem apresentando crescentes recomendações, algumas aceitas e outras refutadas mas sempre incentivadas por Bolsonaro. A manobra é um clássico do xadrez político. O presidente, que nada de braçada em mares de confronto, se vale das reações contrárias para atingir seus objetivos políticos ao alastrar refregas com potenciais aliados e depois recolher seu apoio na hora H.
A armadilha para tentar capturar o alinhamento da cúpula militar à obsessão de Bolsonaro contra a urna eletrônica já foi percebida pelas raposas mais experientes da política, como Lula e Michel Temer, que se desviam de críticas genéricas e, portanto, injustas às Forças Armadas. Quando muito, criticam recomendações extemporâneas ou estapafúrdias, como a da votação paralela.
A tática bolsonarista, naturalmente, também não passa despercebida nos quartéis-generais, apesar do silêncio público mandatório. Mas é eloquente o constrangimento generalizado que o presidente submeteu os brasileiros, incluindo militares treinados a carreira toda para defender a Pátria, ao se converter no primeiro chefe de Estado que se tem conhecimento a convocar representantes de nações estrangeiras ao palácio para desmoralizar um dos alicerces de seu próprio país, o sistema que elege seus mandatários, Bolsonaro inclusive.
O general da reserva Santos Cruz, um dos mais respeitados militares brasileiros no Exterior, foi às redes para desabafar diante da cena de Bolsonaro com os embaixadores. “Vexame internacional jamais visto. O Brasil não merece e nem pode aceitar tal insanidade”, escreveu ele, condecorado por ataques furiosos de lulistas inconformados com seu apoio inicial a Bolsonaro e por bolsonaristas indignados por ter se tornado um crítico do mito a que serviu no governo.
Santos Cruz, obviamente, não fala pelos que ostentam estrelas nos ombros. Mas representa o desconforto de muitos na ativa e na reserva com a desenvoltura de um ex-capitão que, por seu histórico disciplinar, não chegou ao posto de major e agora se esforça em descarrilar o comboio das Forças Armadas dos trilhos da neutralidade política e do profissionalismo que, ao longo de mais de três décadas de democracia, consolidou a admiração da tropa dentro e fora do país.