Mafalda odiava sopa. Gênio da caricatura social, o argentino Quino incluiu na personalidade da garotinha contestadora a rejeição ao alimento líquido. No início da semana, quando vi a reportagem das ativistas ambientais que lançaram sopa de abóbora na Mona Lisa, no Museu do Louvre, fiquei imaginando qual teria sido a reação de Mafalda diante do fato.
Eu, confesso, não pude evitar uma careta de nojo como a que ela fazia na hora da janta quando a mãe aparecia com o prato fumegante. Sei que a causa das manifestantes é defensável. Pelo que li, elas integram uma organização social francesa chamada Riposte Alimentaire, que defende o meio ambiente e exige alimentos sem agrotóxicos. Pelo menos foi essa a justificativa que elas deram, aos gritos, diante dos assustados visitantes do museu no último domingo:
— O que é mais importante? A arte ou a alimentação saudável e sustentável?
Se já tivessem lido o nosso poeta Ferreira Gullar, talvez soubessem que "a arte existe porque a vida não basta". O maranhense imaginou de tudo no seu Poema Sujo, menos essa ideia estapafúrdia de lambuzar quadros famosos com gororobas. Outro dia dois jovens militantes de um movimento antipetróleo também arremessaram sopa de tomate sobre os Girassóis, de Van Gogh, na National Gallery de Londres. Eta gente insensível!
Talvez seja conservadorismo de minha parte, mas sempre que um fato desses é noticiado fico com a impressão de que alguns militantes da irreverência estão mais preocupados em aparecer do que em promover efetivas mudanças sociais.
Comparemos: quem leu a coluna da imunologista Cristina Bonorino, na edição do última final de semana de ZH, ficou sabendo que o cientista brasileiro Isnaldi Souza Filho (que não é meu parente), radicado no Exterior, descobriu uma maneira de extrair ferro dos rejeitos poluentes da fabricação do alumínio, abrindo a possibilidade de tratamento ecológico e produtivo àquela lama tóxica que arrasou Brumadinho e Mariana, em Minas Gerais. E o pesquisador fez tudo isso no recato de seu laboratório, sem escândalos nem discursos demagógicos. Muito possivelmente — agora, por conta da minha imaginação —, alimentando-se apenas com algum singelo prato de sopa no intervalo de seu trabalho.
Com sopa ou sem sopa, aposto que Mafalda desconsideraria a preferência alimentar do pesquisador e bateria palmas para ele.