Não é que tem até isso? No Brasil, o dia 26 de dezembro, mais conhecido como hoje, é celebrado como o Dia da Lembrança. Segundo a tese que justifica a data, é o dia de lembrar coisas boas e ruins num momento de reflexão pós-Natal. Claro que a explicação simplista serve para qualquer dia. Sempre lembramos coisas boas e ruins, mesmo quando queremos esquecê-las.
Mas tem muita coisa que a gente esquece para sempre. Pelo menos é o que dizem os cientistas que se debruçaram sobre o assunto e concluíram que o esquecimento abre espaço nos nossos neurônios para novos conhecimentos. Esquecer, portanto, seria benéfico para os humanos. Com todo respeito à ciência e a todos aqueles que estudam os mistérios do cérebro, tenho as minhas dúvidas. Cada vez que esqueço algo que gostaria de lembrar, gasto um tempão espremendo os miolos e tentando fazer alguma associação de ideias para resgatar o nome ou o assunto evadido.
Nomes são um tormento. Quase sempre que a gente é apresentado a uma pessoa desconhecida acaba esquecendo o nome dela logo em seguida. Por que isso acontece? Vem lá novamente a ciência para dizer que a súbita desatenção se deve ao fato de nos concentrarmos nos procedimentos da apresentação, no aperto de mão, na preocupação em saudar a outra pessoa com palavras gentis, ou de dizer a ela o nosso próprio nome. A novidade, então, se perde no limbo da formalidade. Faz sentido.
Outra situação constrangedora é aquele encontro casual de amigos que não se veem há anos, mas se identificam pelos rostos familiares, pela voz – e pelo pânico de não lembrar:
– E aí garoto, como vai? – costuma dizer o mais eufórico em voz alta e entusiasmada.
Sempre que ouço uma saudação dessas, nem preciso olhar para as figuras que se abraçam para concluir: não são garotos e, muito provavelmente, um esqueceu o nome do outro. Claro que isso também acontece comigo.
Não são poucas às vezes em que eu gostaria de ser, pelo menos por alguns minutos, o célebre personagem do argentino Jorge Luis Borges – Funes, o Memorioso. Irineu Funes tinha uma memória prodigiosa, se lembrava nos mínimos detalhes de tudo o que havia testemunhado em todos os dias de sua vida, mas era incapaz de pensar.
– Pensar – escreveu Borges – é esquecer diferenças, é generalizar, é abstrair.
Neste Dia da Lembrança, lembro desse emblemático conto de Borges para concluir que ler boas histórias estimula o cérebro a funcionar melhor. É o que diz a ciência – e sobre isso acho que eu e você (que chegou ao final desta crônica) concordamos, não é mesmo?