Aquela vírgula polêmica do slogan da Feira do Livro me fez lembrar um amigo querido que já nos deixou, o jornalista Plínio Nunes. Antes de partir em 2021, ele escreveu um livrinho muito interessante sobre a crase e outros espinhos da última flor do Lácio, inculta e bela, como definiu a língua portuguesa o poeta Olavo Bilac. Uma dessas farpas é exatamente a vírgula, que costuma espetar escribas distraídos.
“Quem lê, sabe o caminho” – ousaram os criativos da agência de publicidade PFC e a Câmara Rio-Grandense do Livro. Num primeiro momento, todos nós, que lidamos diariamente com as letrinhas, tiramos o pé do acelerador naquela vírgula, como se faz com o sinal amarelo quando não se tem certeza se está mudando para o verde ou para o vermelho. Ops, vírgula separando o sujeito do verbo? É o erro mais elementar.
Não no caso referido. Como bem explicou o professor Ledur no Face, a clareza do significado deve estar acima de qualquer regra. Trata-se, e agora registro a explicação do Plínio em seu livro À Crase, os Meus Respeitos!, de um daqueles casos de sujeito oracional. A oração é o sujeito. Um exemplo que vale para o Ledur e para o Plínio: “Quem sabe, sabe”.
No seu livro, Plínio Nunes reproduz algumas situações engraçadas em que a vírgula muda o sentido de uma frase. Exemplo: “Se o homem soubesse o valor que tem a mulher andaria de quatro à sua procura”. E a conclusão: Se você for mulher, certamente colocaria a vírgula depois de “mulher”. Se você for homem, colocaria a vírgula depois de “tem”.
Outro exemplo divertido relata o caso do advogado que recebeu cópia de uma sentença sobre um cliente, com a seguinte conclusão do juiz: “Se o júri condena, eu não absolvo!” O esperto causídico levou o documento ao presídio com duas pequenas mudanças de sinais gráficos: “Se o júri condena, eu não. Absolvo!”
E o preso foi solto.
Por aí se conclui que a vírgula, como a crase, também não foi feita para humilhar ninguém – expressão consagrada pelo poeta Ferreira Gullar. Mas deve ser usada com moderação. O conselho mais sensato que já recebi de um professor de Português, acho que do próprio Ledur, foi: na dúvida, não use. Se faltar, vai parecer esquecimento. Se sobrar, vai parecer burrice.
Quem lê também se diverte. Sem vírgula.