O solaço do último domingo também foi um olhar caloroso e curioso do Universo sobre a Feira do Livro de Porto Alegre, que certamente reuniu naquele dia o seu maior público deste ano. Parecia ter mais gente do que livros: corredores abarrotados, bancas sitiadas, filas na praça dos autógrafos, todos os espaços superlotados pela multidão que se arrastava como cobra pelo chão, como diz a canção do nosso imortal das letras Gilberto Gil.
Fixei-me nos olhares. Tinha de tudo: crianças hipnotizadas pela pipoca cheirosa e pelos atores travestidos de super-heróis, adolescentes com um olho na telinha luminosa e o outro nos demais adolescentes, adultos e mais-que-adultos perscrutando títulos e balaios, vendedores com pupilas brilhando de atenção aos potenciais compradores e de cuidado com o patrimônio exposto ao manuseio alheio.
— Olhe com as mãos! — dizia um cartaz da Feira de Quadrinhos na Biblioteca Pública Municipal, escala obrigatória na descida da Ladeira para quem se encaminha à Praça da Alfândega. Saí de lá pensando: o tato é também um olhar eficiente. Segurar, tocar, folhear, alisar e apalpar não deixam de ser formas disfarçadas de ler.
Na feira maior, quando o calor apertou, busquei refúgio no Museu de Artes do Rio Grande do Sul e me vi cercado por outros olhares igualmente criativos — de pintores, escultores, fotógrafos, artistas plásticos e artesãos. De repente, numa das galerias, uma mulher emoldurada olhou direto para mim. Tentei me esquivar, mas aquele olhar penetrante do rosto emparedado me seguiu. Recorri a manobras aprendidas nos meus tempos de futebol: fiz que ia para a direita, voltei-me para a esquerda, dei uma volta no lugar, agachei-me — e aquele olhar incisivo grudado em mim. Decidi então encará-la e me postei diante dela, sem piscar, como se estivesse jogando sério. Começou a chorar. Um choro silencioso, dolorido, com lágrimas sentidas descendo pelo rosto.
Fiquei desorientado e até um pouco emocionado. Foi uma visão perturbadora, confesso. Mais tarde, confirmei que se trata de uma videoperformance chamada As Lágrimas do Artista, de Élle de Bernardini, gaúcha de Itaqui. Lembrou-me um daqueles quadros fantasiosos das histórias de Harry Potter em que os personagens se movimentam nas suas molduras.
Quando desci as escadas do Margs no rumo do burburinho alegre da praça dos livros, devia estar com um olhar de culpa, como se tivesse provocado as lágrimas daquele olhar prisioneiro. É assim a arte, bela e contundente, especialmente quando nos pega desprevenidos e ou fragilizados.