No último sábado de julho, fiz uma breve visita ao homem que inventou a ditadura no Brasil – conforme a contundente crítica do saudoso historiador Décio Freitas, com quem tive a honra de conviver em pretéritas lides jornalísticas. Referimo-nos a Júlio Prates de Castilhos, presidente do Rio Grande do Sul por duas vezes, nome de rua e de colégio em Porto Alegre, habitante eterno do museu que também leva seu nome e personagem do principal monumento da cidade, desconsiderando-se a popularidade do Laçador.
Foi exatamente no enigmático conjunto de esculturas da Praça da Matriz que encontrei o velho líder republicano, decifrado na sua simbologia pela jornalista Maria Lúcia Badejo, idealizadora e condutora de roteiros culturais pelas ruas do Centro Histórico. De autoria de outro Décio, o escultor Décio Villares, o monumento de 110 anos é um verdadeiro altar erigido à República e ao castilhismo, que ainda é cultuado em nosso Estado.
Formada por figuras humanas, animais, datas e inscrições, a obra requer um manual para ser entendida, mas cumpre com louvor a ordem de Borges de Medeiros ao escultor: retratar o correligionário idolatrado em todas as fases de sua vida. Quem olha o monumento pelo lado oeste vê um jovem semidespido distribuindo papéis. Aquelas coisas antigas se chamavam jornais – e representam o período em que Júlio de Castilhos dirigiu A Federação, órgão oficial do Partido Republicano e voz poderosa contra a monarquia e a escravidão. A coleção digitalizada está disponível para consultas na Hemeroteca Digital Brasileira.
Quem se posiciona de costas para o Theatro São Pedro e para o Palácio da Justiça vê Júlio de Castilhos no seu grande momento: sentado, com um livro na mão, talvez um texto do filósofo Augusto Comte, talvez a Constituição Estadual que ele próprio redigiu. Ali está o grande líder republicano no seu momento de poder quase absoluto.
Na face leste da complexa escultura aparece um velho de barbas brancas, um Pensador de Rodin com um livro aberto no colo, simbolizando a sabedoria do governante na maturidade. E o lado sul tem um gaúcho a cavalo, representação da sua legião de seguidores. Há, ainda, inscrições, datas e outras figuras simbólicas dignas de observação cuidadosa no instrutivo monumento.
Júlio de Castilhos foi quase uma divindade nesta Porto Alegre que também abriga um dos últimos templos positivistas do mundo, onde se prega o amor por princípio, a ordem por base e o progresso por fim. Com o tempero da política, deu numa ditadura constitucional.