Como aqueles ciganos que periodicamente apareciam na Macondo de García Márquez com novidades que pareciam mágicas aos locais, de vez em quando a deusa Tecnologia desce do Olimpo do Metaverso para tentar a Humanidade:
— Que tal uma máquina que encurtará distâncias e possibilitará que vocês viajem com mais rapidez e conforto do que vêm fazendo há séculos nas suas montarias e carruagens?
— Quanto nos custará? — perguntaram os homens.
— Pouco: vocês só terão que extrair petróleo do chão, construir longas estradas asfaltadas, desenvolver microchips e, de vez em quando, sacrificar algumas vidas.
— Fechado! — respondeu a mais ambiciosa das criaturas.
E o automóvel chegou. Trouxe, realmente, rapidez, conforto, status e sensação de poder. Facilitou os deslocamentos. Mas também alterou para sempre a superfície do planeta, poluiu o ar, disseminou a pressa e nos cobra cerca de 1 milhão e 300 mil vidas por ano (segundo a OMS), sem contar os mutilados do trânsito.
Em outra visita aos terráqueos, a Deusa T ofereceu:
— Tenho um aparelhinho maravilhoso, que mostra imagens coloridas em movimento, transforma suas casas em cinemas e serve de diversão para toda a família.
— E o que teremos que pagar? — perguntaram.
— Pouco, quase nada. Apenas o preço da obsolescência programada, energia elétrica, espaços na sala e no quarto, e algumas horas diárias de inércia.
— Topamos! — responderam, ansiosos pela novidade.
E a televisão invadiu os lares, distraiu o povo com novelas, filmes, programas de humor e desenhos animados, mas também alterou hábitos, virou babá eletrônica, atiçou o consumo desmesurado e estimulou o sedentarismo.
Mais recentemente, a Deusa T desembarcou no Planeta T com outra novidade espetacular:
— Uma telinha fantástica, que cada pessoa poderá carregar na palma da mão e usá-la para se comunicar com quem quiser, em qualquer lugar da Terra, e que também proporciona acesso ao conhecimento.
— Qual será o nosso custo? — perguntaram os humanos, apenas por perguntar, pois já estavam aceitando.
— O valor dos aparelhos, as taxas das operadoras, tomadas para a bateria e toda a atenção que puderem dispensar ao brinquedinho.
O celular cumpre a sua missão, mas, em troca, apropria-se do tempo e da vontade dos usuários.
A visitante volta agora com outra irresistível oferta:
— A IA é uma coisa maravilhosa, que vos poupará de pensar e tomar decisões.