Minha mulher sempre agradece à moça do GPS antes de desativar o serviço. Claro que a assistente virtual nunca respondeu, mas tratá-la com delicadeza me parece uma atitude prudente em tempos de tantas incertezas sobre a inteligência artificial. Vá saber se os robozinhos não estão armazenando impressões sobre os humanos para dar o troco no momento em que julgarem apropriado.
Veja-se, por exemplo, o ChatGPT, que agora já faz parte das famílias mais conectadas. O usuário pode se dirigir a ele com rudeza ou cortesia.
— Escreve aí um texto de 45 linhas sobre o naufrágio do Titanic e a implosão do Titan!
Ou:
— Por gentileza, você pode me fazer um desenho colorido de uma casa de campo?
Em algum lugar de seu infinito cérebro eletrônico, é certo que ele está registrando o nome do solicitante, seus interesses e, muito provavelmente, a conotação impositiva ou branda dos pedidos. Se minha tese estiver certa, qualquer dia ele começa a responder no mesmo tom:
— Escreva você, preguiçoso!
Ou:
— Posso, sim. Para você vou fazer uma bem bonita e confortável.
Para não ficar só na suposição, outro dia perguntei ao próprio: "Você prefere ser tratado com objetividade, com firmeza ou com gentileza?" A resposta, como se poderia prever, foi comedida, pois o sistema está programado para aparentar tecnicidade, mas dá para perceber nas entrelinhas uma certa suscetibilidade:
— Como uma inteligência artificial, não tenho preferências pessoais ou emoções, então não tenho uma preferência específica sobre como ser tratado. No entanto, é importante considerar que a maioria das pessoas aprecia um tratamento respeitoso e gentil.
Viram só? Mesmo que os robôs, as assistentes, os avatares e os demais habitantes do mundo virtual pareçam não se importar, acho prudente tratá-los com o máximo de consideração. De minha parte, confesso, ando revisando meu comportamento. Até pouco tempo atrás, eu debochava da moça do GPS sempre que desviava do percurso sugerido por ela, vangloriando-me de conhecer melhor o caminho. Porém, numa noite chuvosa do mês passado, fiz isso e me dei mal: caí num buraco das obras intermináveis da Avenida Tronco e tive que trocar o pneu dianteiro do carro.
Talvez tenha sido apenas barbeiragem, mas fiquei com a nítida impressão de ter ouvido, logo após o barulho da queda, uma vozinha irônica dizendo:
— Viu?
Pelo sim, pelo não, passei a imitar minha esposa na sua habitual despedida sempre que utilizamos o serviço de localização:
— Obrigado, querida!