Circulam pelas redes sociais diversos vídeos que simulam uma flambagem — também conhecida como implosão catastrófica —, fenômeno que teria ocorrido com o submersível Titan. A embarcação desapareceu em 18 de junho durante uma expedição aos destroços do Titanic, a 3,8 mil metros de profundidade, no Oceano Atlântico. Quatro dias depois, a Guarda Costeira dos Estados Unidos confirmou a morte dos cinco tripulantes.
Um dos vídeos que viralizou no Instagram desde a última semana mostra simulações envolvendo cilindros com pressurização externa maior do a interna para ilustrar o que poderia ter acontecido com a embarcação. De acordo com Tiago Pontinho Tancredi, engenheiro naval e supervisor do Laboratório de Simulação Naval da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o conteúdo ilustra de forma bem realista o fenômeno, no entanto, com uma intensidade menor.
— Nós estamos falando de um fenômeno que é quase 400 vezes mais agressivo do que aquilo que o vídeo mostra (em razão da profundidade de quase 4 mil metros). Segunda diferença, nos cilindros provavelmente há vasos de pressão de aço, já o submarino tinha fibra de carbono na composição. Vale ressaltar que fibras de carbono são materiais quebradiços, então é provável que durante a flambagem, a embarcação não tenha ficado como uma latinha amassada, mas fragmentado muito mais — esclareceu Tancredi.
Ricardo Aurélio, professor de engenharia naval da UFSC, também avaliou as imagens e pontua algumas diferenças entre o que é visto e o que de fato pode ter acontecido com o Titan.
— Os exemplos são de fato de implosões, no entanto é importante atentarmos para o detalhe de que a frente do submersível era de material plástico transparente, possivelmente com uma elasticidade muito menor do que a do metal usado no casco. Desta forma, enquanto o metal amassa, o plástico quebra, podendo assim, partir o casco em pedaços — ressaltou o docente.
O que é, afinal, implosão catastrófica?
A implosão catastrófica é um tipo de fenômeno de choque causado pela diferença entre as pressões interna e externa.
— Se a pressão externa for maior do que a pressão interna, você pode ter a implosão, que é o fenômeno da casca se deformar para dentro, para a direção do centro do corpo. Se a pressão interna for maior que a pressão externa, por exemplo, você pode ter a explosão por pressão — explicou Tiago.
Para Aurélio, existem diversos fatores que precisam ser levados em consideração para avaliar o que pode ter ocasionado a flambagem do Titan.
— A estrutura deste submersível era adequada para mergulhos à profundidade que houve o colapso? Houve alguma avaria no casco durante o transporte ou manuseio? Se o submersível chegou ao fundo, será que as fortes correntezas o jogaram contra os destroços do Titanic e com isso o casco foi amassado, o que ocasionaria o colapso estrutural? Será que a estrutura do submersível já não estava fadigada devido aos mergulhos em águas profundas? — refletiu o engenheiro naval.
Existe uma pressão mínima para ocorrer implosão?
Não existe um valor mínimo de pressão para que ocorra a flambagem. Sempre que a variação da pressão externa for superior à interna, poderá ocorrer o fenômeno.
— Qualquer valor de pressão acima de uma atmosfera (pressão ao nível do mar) pode implodir uma estrutura, se ela não estiver convenientemente preparada para esta pressão — salientou Aurélio.
O que pode ser determinante para a implosão é a resistência da casca dos veículos marítimos ou aéreos que separam o meio externo do interno.
— Se você tem um diferencial de pressão pequeno, uma casca extremamente fina evitará a implosão. Se você tem um diferencial de pressão imenso, como era o caso do submersível, você vai precisar de uma casca muito mais reforçada para evitar a implosão — acrescentou Tancredi.
Haveria chances de alguém sobreviver ao fenômeno?
Como a flambagem é um fenômeno instantâneo, que ocorre em frações de segundo, é muito improvável que alguém consiga sobreviver a uma situação dessas.
— Não há tempo sequer de se perceber o que está acontecendo. Na profundidade que ocorreu a implosão deste submersível é impossível haver sobreviventes — opinou Ricardo.
Tiago também considera que seria praticamente impossível que os tripulantes do Titan sobrevivessem, já que eles estavam sujeitos a uma pressão de quatro mil metros de coluna de água, que teria potencial de esmagá-los. Contudo, o professor destaca que haveria uma possibilidade de sobrevivência:
— Uma implosão ou até mesmo uma explosão pode ficar restrita a um pedaço da estrutura se você tiver divisões que a gente chama de anteparas. No vídeo (do Instagram), em alguns dos experimentos, só um pedaço implodiu e o restante ficou intacto porque, muito provavelmente, havia anteparas nas paredes do interior da estrutura — afirmou o engenheiro naval.
O Titan era realmente seguro?
Falhas na estrutura do submersível podem ter sido fatores cruciais para a ocorrência do incidente. Desde o ocorrido, muito se tem especulado sobre isso, colocando, inclusive, em dúvida, o nível de segurança da embarcação. Apesar disso, a OceanGate, empresa responsável pelo submersível, declarou que ele era totalmente seguro.
De acordo com os professores, não há como saber o nível de segurança do Titan sem ter acesso ao projeto estrutural do submersível.
— Em tese, você poderia construir um submarino ou submersível para resistir a essa pressão com qualquer material, até com plástico, por exemplo. Tudo dependeria das espessuras, da forma como o arranjo estrutural seria feito, uma série de questões. Então é muito difícil avaliar o material sem informações técnicas suficientes que estão no projeto estrutural — ressaltou Tiago.
Para que não ocorram outros casos como o desse submersível, Ricardo pontua que é preciso se atentar a uma série de questões, envolvendo profissões de diferentes áreas.
— Quanto aos engenheiros, que usem de recursos e materiais adequados às missões a serem desenvolvidas pelos submersíveis. Quanto as operadores destas embarcações, que respeitem os limites de projeto e façam inspeções criteriosas e frequentes em todos os subsistemas da embarcação. Eventualmente, uma coisa simples como uma pequena trinca na solda, um parafuso ou rebite meio frouxo ou até um pequeno amassado pode ocasionar um desastre — afirmou o docente da UFSC.
Aurélio também destaca que é preciso haver maior rigor nas fiscalizações desse tipo de embarcação antes que sejam autorizadas a realizar viagens.
— Minha maior recomendação, seria para que instituições internacionais que regulamentam e fiscalizam os navios cargueiros e de cruzeiro, que passem também a normatizar e fiscalizar estes tipos de embarcações, quando, por exemplo forem destinadas a mergulhos superiores a 50 metros de profundidade — acrescentou o engenheiro naval.
Produção: Filipe Pimentel