Ele era irmão do meu trisavô e foi o principal cronista da Porto Alegre da segunda metade do século 19. Descobri em recente pesquisa genealógica que Antônio Álvares Pereira Coruja, autor de Antigualhas e pai adotivo do Comendador Coruja, que dá nome a uma rua conhecida do bairro Floresta, foi um antepassado ilustre que amou muito esta cidade dos nossos andares lusitanos – e demonstrou esse amor nos seus escritos, especialmente nos registros feitos durante seu exílio no Rio de Janeiro.
Sua história é por demais conhecida: nasceu pobre e morreu paupérrimo, mas teve uma vida rica de aprendizados e ensinamentos, foi aluno aplicado, professor produtivo, fundou escolas e participou intensamente da vida cultural da Corte, depois de uma breve e acidentada carreira política. Deputado provincial, ficou do lado dos farroupilhas e acabou preso pelas tropas imperiais. Saiu de Porto Alegre por causa disso, mas Porto Alegre nunca saiu dele.
Escreveu muito, de livros didáticos a crônicas saudosas sobre sua cidade natal. Passear com ele pelas ruas do Centro Histórico é uma delícia: a Rua da Praia, a mais antiga da Capital, já foi Rua da Graça, mas, segundo os registros do tiozão, com esse nome o povo não engraçou; por ele fica-se sabendo que na Rua Nova, que hoje conhecemos por Andrade Neves, moravam o sapateiro Felippe Mãozinha e o Miguel Barbeiro, e que possivelmente frequentavam o Bilhar do Bexiga e o botequim do Pinto Fanha, lá situados; também conta que na Rua da Ponte (Riachuelo) entre o Beco do Fanha (Caldas Júnior) e a Rua Clara (João Manoel) ficava a escola do Amansa, apelido abreviado do famoso Amansa Burros, um professor português chamado Antônio D’Ávila que alfabetizava na base da palmatória.
Pereira Coruja chegou a estudar com ele, mas foi em outra aula, ministrada por um tal Padre Tomé, que ele recebeu o apelido da ave preferida da deusa da sabedoria. Mais tarde, incorporou o bullying ao sobrenome, passou a usar um desenho do pássaro ao lado da assinatura e até fundou uma escola chamada Liceu de Minerva.
Foi célebre esse meu parente. Conviveu com o imperador e até recebeu condecorações por seus trabalhos com a educação. Porém, depois da morte da mulher e do filho adotivo, entrou em decadência e morreu na miséria, num quarto emprestado por um ex-aluno. Na minha família, o nome Coruja desapareceu quando minha avó Rita casou com um Souza – coincidentemente o mesmo sobrenome do pai do professor Coruja, meu tetravô Pedro José Álvares de Souza.