Moro no sul da Zona Sul, mas pelo menos uma vez por semana vou ao Centro Histórico de Porto Alegre para auscultar o coração da minha cidade e, como fazia Mario Quintana, percorrer suas ruas encantadas e suas esquinas esquisitas. Caminho pela Rua da Praia, observo o alvoroço de ambulantes, cantores, pregadores, pedintes e tantas outras figuras exóticas – o anjo que interrompe o imobilismo para consultar o celular, o homem negro que também se faz de estátua, o caricaturista de rostos famosos e anônimos, o homem que ensina mágicas... A Rua da Praia é a mágica.
Lá vem a multidão, correndo atrás dos assaltantes da casa de câmbio que deixaram um jovem mortalmente ferido e agora fogem, armados e ameaçadores, sequestrando o que encontram pela frente, uma charrete, um bonde e até uma carroça de leiteiro. A Tragédia da Rua da Praia, magistralmente recontada por Rafael Guimaraens, me transporta à Porto Alegre de 1911.
Caminho, então, até a Praça XV, para ver o Chalé e para recordar o abrigo dos bondes que me traziam da infância na Zona Norte para o rebuliço da área central. Lá vem um deles, com o funcionário público Naziazeno a bordo, atormentado pela dívida e pelas injustiças de uma sociedade hipócrita e desigual. Com Os Ratos, de Dyonélio Machado, desembarco na Capital de 1930.
Sigo em frente, ou melhor, para a esquerda. Pego a Borges e dou uma pernada até a Rua do Arvoredo, atual Fernando Machado. Lá está o açougue de José Ramos e Catarina Palse, com a sua linguiça especial que ainda hoje revolta estômagos e ressuscita antigos fantasmas da cidade de 1863. Décio Freitas, com O Maior Crime da Terra; Assis Brasil, com o seu Cães de Província; e David Coimbra, com Canibais, além de outros escribas, me guiam nesta visita aterrorizante.
Agora preciso de um pouco de ar. Sinto necessidade de poesia, como sentia Erico Verissimo quando começou a escrever Clarissa, em 1933. Ando até a praça da Matriz para ver se encontro a adolescente sonhadora. Passo por várias casas antigas que bem poderiam ser a pensão de dona Zina, onde a menina morou. Caminho instintivamente até a Jerônimo Coelho e paro na Livraria Erico Verissimo, da amiga Denise Filippini, meu refúgio habitual no Centro Histórico. Foi lá que recebi um autógrafo da própria Clarissa no livro que tem o seu nome, numa certa manhã de sábado em que reverenciamos o talento inigualável do maior cronista desta cidade, Luis Fernando Verissimo. Porto Alegre, duzentos e cinquentona, é uma magia feita de letras.