Eu e o Pelé somos uns presunçosos. Ele com um pouquinho mais de razão, admito. Claro, também joguei a minha bolinha — e até fiz algumas firulas diferenciadas —, mas não é de futebol que estou falando. É de fala mesmo. Sem me dar conta, peguei uma mania do Rei. De vez em quando estou explicando alguma coisa para alguém e acrescento:
— Entende?
Meus interlocutores habituais já nem ligam mais. Alguns ainda reviram os olhos, com aquela expressão clássica de "está pensando que eu sou idiota". Por causa disso, já venho me policiando há algum tempo, cuidando para terminar meus relatos com o ponto final, sem forçar a reação do ouvinte. Ainda assim, senti minhas orelhas sendo puxadas na semana passada, quando estava lendo o livro A Arte da Prudência, de Baltasar Gracián.
Filósofo e teólogo espanhol do século 17, ele deixou uma série de recomendações no seu Oráculo Manual y Arte de Prudencia, de 1647, muitas delas atualíssimas. O livrinho é dedicado ao homem comum, mas merece ser lido por políticos, autoridades e certamente também por jornalistas e cronistas. Na parte que me toca, engoli em seco quando terminei a leitura da advertência "Não escutar a si próprio". Reproduzo a parte final: "Pobre o grande homem que diz sempre as mesmas coisas e busca sempre o aplauso dos ouvintes perguntando-lhes 'Entenderam bem?' ou 'Não é verdade?'. Os presunçosos falam para escutar o eco e, como sua fala visa a satisfazer o orgulho, a cada palavra esperam ouvir do público: 'Muito bem!'".
Meu consolo é que o Brizola também receberia este cartão amarelo do jesuíta rebelde. Segundo sua biografia, ele publicou suas obras sem autorização prévia da Companhia de Jesus, pelo que caiu em desgraça, foi encarcerado e condenado. Mas sua obra influenciou pensadores famosos e ainda causa certo constrangimento em criaturas menos reflexivas, como este cronista. Aliás, pensando bem, ninguém escapa de suas alfinetadas travestidas de conselhos. "Nunca se queixar!", por exemplo. Quem nunca?
Entre suas observações, tem até uma adequada para esses tempos de fake news, embora tenha sido escrita há quase 400 anos: "Nunca difundir boatos". Entre outras coisas, diz: "Não se alegre com más notícias, nem sequer as comente". São, ao todo, 300 recomendações, carregadas de sabedoria e ironia. Leitura fácil e proveitosa. E bastante divertida, mesmo quando o autor nos golpeia, impiedoso: "Metade do mundo ri da outra metade — e todos são tolos". Ao que eu acrescendo, incorrigível:
— Entenderam?