Os pedintes da pandemia ostentam curiosos cartazes nas esquinas da nossa cidade. Impossível não ler. São, quase sempre, pedaços de papelão mal aparados, com letras disformes e palavras incompletas, mas as mensagens costumam ser comoventes: "Você é especial", "Tenho fome", "Sou pai de três crianças, me ajude".
Quem resiste? Na verdade, a maioria resiste. Os motoristas fecham os vidros, olham para outro lado, fingem que estão consultando o celular ou o rádio do carro, até que a luz verde do alívio lhes permita seguir adiante. Mas sabem que no próximo sinal tem mais.
Nestes tristes tempos pandêmicos, até as crianças voltaram às sinaleiras, competindo com adolescentes que penduram balas e mandolates nos retrovisores dos automóveis, correm e desviam agilmente das motos no espaço entre os veículos. Também esses penduricalhos ostentam mensagens apelativas, algumas de gosto duvidoso, como a que desprecia uma suposta sogra do vendedor. Impossível não ler.
Para completar esse deprimente espetáculo de público itinerante nas ruas da Capital, temos os artistas dos cruzamentos — o arlequim dos malabares, o jovem que pinta o corpo de tinta prateada, o homem que maneja facões e também aquele que brinca com fogo diante de veículos movidos a gasolina. Haja moeda para tanta arte.
Alguns dão, outros negam. “Não dê esmolas para pessoas em situação de rua” — recomendam as autoridades e os agentes sociais, pois a boa intenção acaba estimulando a mendicância, a exploração infantil e até o uso de álcool e drogas. Mas é sempre difícil fechar os olhos da consciência.
Se fôssemos mesmo tão especiais, como sugere o cartaz improvisado, elegeríamos essa mazela como a prioridade das prioridades a serem resolvidas. E buscaríamos, evidentemente, soluções humanitárias: atenção, comida, tratamento de saúde, oportunidade de trabalho, educação, habitação, acompanhamento e estímulo à autonomia.
Tarefa para nossos governantes e para nossos representantes políticos? Sim, mas aqueles cartazes também falam a cada um de nós.