Acabei de ver a quarta temporada da série The Crown e estou lendo o livro autobiográfico de Barack Obama, Uma Terra Prometida, 751 páginas que ele diz no preâmbulo ter escrito à mão porque o computador dá falso brilho a rascunhos e aparência de coisa acabada. Ambos são fascinantes relatos sobre os bastidores do poder em dois impérios que, de certa forma, ainda controlam o destino de parcela expressiva da humanidade: o britânico, com sua extravagante monarquia parlamentar; e o norte-americano, com sua democracia de revezamento entre republicanos e democratas.
A série da Netflix é espetacular. Mesmo que dure tanto quanto a rainha Elizabeth II, que assumiu o trono em 1953 e lá se mantém firme, ereta e vacinada aos 94 anos, não dá para deixar de assistir. Cada capítulo é uma lição de história, criatividade e talento, com diálogos inteligentes e atores verdadeiramente extraordinários. O que mais impressiona, para quem já tem alguma rodagem de vida, é a possibilidade de revisitar fatos verdadeiros pela visão dos protagonistas.
Não vou dar spoilers, mas quero mencionar dois episódios que me arrancaram, respectivamente, lágrimas e risos. O primeiro, da terceira temporada, reproduz o desastre de Aberfan, no País de Gales, onde uma barragem de rejeitos de xisto desmorona sobre a cidade e sepulta uma escola com 116 crianças. Tem Brumadinho e Mariana ali, além de nos fazer pensar nos reiterados alertas do colega Flávio Tavares sobre a iminente implantação de uma mina de carvão nas proximidades da Capital.
Só voltei a rir no capítulo que mostra o fim de semana da primeira-ministra Margaret Thatcher e seu marido no Castelo de Balmoral, residência de verão da família real, na companhia da própria. O choque de visões e conceitos seria catastrófico se não fosse contado com tanto humor.
E Obama? Sua eleição em 2008 foi um sopro de esperança, paz e diversidade para o mundo, mas descambou no inacreditável retrocesso da era Trump. Agora que a roda do destino parece estar girando novamente para o lado certo, o livro que relata os bastidores de sua carreira e de seu governo pode ser lido com o olhar de quem já se deu conta da enorme distância entre o sonho e a realidade.