Sou francamente favorável à adaptação de obras clássicas da literatura para o público infantil com o propósito de facilitar a compreensão e evitar a disseminação de preconceitos. Nesse sentido, aplaudo a iniciativa da bisneta do escritor Monteiro Lobato, que faz uso da legitimidade familiar para alterar palavras e expressões empregadas pelo bisavô num contexto de época e de visão do mundo incompatível com a realidade atual.
Não se trata apenas de concessão ao chamado “politicamente correto”, motivo de controvérsias intermináveis entre progressistas e conservadores — rótulos igualmente questionáveis. Trata-se, isto sim, da desafiadora tarefa de substituir palavras (e pensamentos) ferinos por outros (ou por omissões) que não prejudiquem o sentido da obra original nem a descaracterizem.
As palavras ferem — e nem sempre percebemos isso quando as pronunciamos ou as transformamos em sinais gráficos. Quem publica textos (praticamente todas as pessoas alfabetizadas, depois do advento das redes sociais) sabe bem que a mensagem recebida nem sempre é a mesma emitida. Às vezes, inclusive, adquire sentidos indesejados, provocando mal-entendidos.
Sempre me lembro de uma colega de jornalismo que usava com frequência o termo “autista” para se referir ao comportamento de políticos insensíveis, até que a mãe de uma criança com esse transtorno de desenvolvimento manifestou seu desconforto. Minha amiga nunca mais empregou o termo na acepção crítica.
Respeito pelo outro é o nome deste processo de sublimação. Custa mudar uma palavra para não ferir susceptibilidades? De vez em quando, vejo algum piadista de preconceitos revoltado com as limitações do politicamente correto, sob o pretexto de que restrições a termos racistas e sexistas atentam contra a liberdade de expressão. Calma aí. Sou defensor intransigente da liberdade de expressão, mas não considero censura (nem autocensura) buscar palavras mais suaves para dar a mesma mensagem.
Se pode machucar alguém, por que não procurar outra no vocabulário inesgotável da comunicação humana.
Nem sempre o contexto de época justifica o que alguém disse ou escreveu. Talvez seja esse o caso de Monteiro Lobato e de algumas expressões inquestionavelmente racistas de suas obras, o que legitima ainda mais a revisão oportuna e amorosa de sua bisneta.