Frasista imbatível, o saudoso colega das redações da vida Ibsen Pinheiro gostava de dizer que xadrez é um jogo que desenvolve a inteligência... para jogar xadrez. Outros críticos menos espirituosos até se recusam a aceitar o xadrez como esporte devido à ausência de atividade física, mas não há dúvida de que a disputa pelo cerco ao rei envolve valores esportivos reconhecidos, como concentração, estratégia, tática, ataque e defesa, raciocínio rápido e muita competitividade.
Além disso, como ensinou o filósofo futebolístico Dino Sani, no xadrez também se ganha, se perde e se empata, a exemplo de vários outros esportes. Mas sempre existirão os negacionistas que preferem não gostar antes de sequer tentar entender.
Eu gosto do jogo, embora não saiba muito mais do que movimentar as peças de acordo com as funções de cada uma. Nunca me detive em complexidades táticas, em movimentos estudados ou copiados dos grandes mestres. Confesso que não sabia o que era um gambito antes de ver alguns capítulos da série lançada pela Netflix, atraído pela história da menina órfã que se transforma num prodígio do jogo ao mesmo tempo em que mantém um embate particular com a dependência química.
Tenho lido bastante sobre o sucesso da série. Seu efeito mais curioso é que está despertando uma verdadeira onda de interesse pelo xadrez em muitos países, até mesmo porque, em tempos de isolamento social, as pessoas buscam entretenimento duradouro a baixo custo. Com o auxílio da tecnologia digital, qualquer um pode jogar xadrez sozinho, com o computador, em grupo, com amigos e até com estranhos.
Mas também aqui, como na batalha final entre o livro de papel e as publicações eletrônicas, mantenho-me no time dos analógicos. Prefiro o bom e velho tabuleiro físico, com suas peças em três dimensões que dependem da nossa mão para andar pelos caminhos permitidos pela regra. De preferência, com um oponente de carne e osso do outro lado da mesa. Se possível ainda, generoso: que não me venha com gambitos complicados e me deixe ganhar de vez em quando.
A propósito, gambito, termo derivado da perna (gamba) italiana, é um tropeço de abertura de jogo ardilosamente planejado para iludir o adversário.