É mesmo complicado julgar. Eu, cidadão, até absolvo o Supremo Tribunal Federal por ter seguido a Constituição, mas tenho que condená-lo por lavar as mãos num julgamento tão crucial para o resgate da moralidade no país.
Por 20 centavos – sabemos disso desde 2013 –, ou por qualquer outro pretexto mobilizador, pessoas indignadas saltam das redes sociais para as ruas e promovem verdadeiras revoluções. Já vimos no Brasil esse filme que agora está em cartaz na Bolívia, no Chile, no Equador e na Venezuela, com pequenas diferenças de enredo. Na prática, porém, é tudo muito parecido: uma parcela expressiva da população protagoniza manifestações públicas contra governantes, autoridades políticas e instituições em geral, quase sempre com reivindicações difusas, mas que podem ser resumidas numa única palavra: desencanto.
Quando tais movimentos descambam para a violência, todos perdem. Os governos, quando não caem, ficam fragilizados. A democracia e suas instituições representativas saem arranhadas. E a população, afora o risco de chorar mortos e feridos, raramente escapa da armadilha emocional de se voltar para salvadores da pátria, que quase sempre se aproveitam da turbulência para se instalar poder. Assim tem oscilado o pêndulo da história nesta sempre efervescente América Latina.
Para um país entrar em ebulição nesse ambiente de descrença, basta uma faísca – um aumento no preço dos transportes, uma eleição com suspeita de fraude, uma decisão judicial insensata ou mal compreendida. No caso da prisão após julgamento em segunda instância, o STF, por maioria, optou pelo formalismo de cumprir rigorosamente a Constituição, mesmo reconhecendo que o artigo em questão gera impunidade e precisa ser reformulado. Simplesmente transferiu o abacaxi para o Congresso.
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Contribuem para aumentar o desencanto com a Suprema Corte atitudes de soberba como a do ministro Marco Aurélio advertindo publicamente a advogada que, por nervosismo, não tratou por Excelências os integrantes do tribunal. Até parece que o magistrado esqueceu a lição de respeito dada por sua colega Carmen Lúcia há três anos, quando, diante dos chefes dos demais poderes, iniciou seu discurso de posse como presidente da Corte com uma inspirada saudação à maior autoridade presente: "Sua Excelência, o povo".
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A propósito de recursos, esta semana um criminoso norte-americano fez por merecer o Oscar de cara de pau, caso existisse tal premiação. Benjamin Schreiber, condenado à prisão perpétua pelo assassinado de um homem em 1996, ingressou com um pedido de soltura sob a alegação de que sua pena havia sido cumprida quando seu coração deixou de bater por instantes, quatro anos atrás, em decorrência de uma parada cardíaca. Ele disse que foi ressuscitado pelos médicos contra a sua vontade e, portanto, a morte temporária teria caracterizado o cumprimento da condenação.
Não levou. Lá, o tribunal de apelação não se omitiu.