A humanidade é que é a verdadeira crônica de uma morte anunciada, expressão que deu título ao inspirado romance de Gabriel García Márquez. Todos nós, do ponto de vista biológico, vamos passar dessa para pior – e o pior do pior é que temos consciência disso. A grande questão que nos aflige é saber quando. Outro dia, perguntaram pro Verissimo como ele lida com esse tema indigesto e sua resposta foi um misto de conformismo com bom humor:
– A gente sempre tem uma esperancinha de que será poupado!
Pois a esperança – a última que morre, no dito popular – está prestes a perder o seu poder de iludir os condenados. Cientistas e empresas de tecnologia de várias partes do mundo estão treinando algoritmos médicos para realizarem previsões sobre óbitos, a partir da tabulação de informações de saúde e hábitos das pessoas. Se as pesquisas forem bem-sucedidas, em breve poderemos conhecer com antecedência o dia e a hora do barco de Caronte, assim como já é possível saber se o ônibus está se aproximando da parada e o horário exato em que chegará.
Esse GPS do último suspiro está mais próximo de nós do que se poderia imaginar. O Laboratório de Big Data e Análise Preditiva em Saúde, da Universidade de São Paulo, anuncia para os próximos dias a publicação de uma pesquisa com um algoritmo que prevê a morte de pessoas com 70% de precisão.
A inteligência artificial do Labdaps foi alimentada com dados de saúde, bem-estar e envelhecimento de 2.808 idosos residentes em São Paulo, durante quase duas décadas.
O propósito principal dessa busca do algoritmo da morte, segundo os cientistas, é oferecer aos médicos informações mais precisas para que possam tomar decisões que melhorem as condições dos pacientes e prolonguem seu tempo de vida. A ferramenta também poderá ser utilizada por hospitais para determinar prioridades de internações e intervenções clínicas.
Mas também pode – e isso os cientistas igualmente admitem – ser utilizada com objetivos menos nobres, tais como negar acesso a tratamento para pacientes de risco elevado ou determinar o preço de planos de saúde e apólices de seguro. Mais uma vez a questão da privacidade se torna crucial para o bom ou o mau uso de um avanço tecnológico.
Confesso que já ando incomodado com algoritmos que tentam me sugestionar o tempo todo a comprar produtos e consumir coisas que pouco me interessam, apenas por ter feito alguma consulta inadvertida ao todo-poderoso Google. Agora me surge mais essa, uma predição científica do nosso inevitável fim, com pouca ou nenhuma margem de erro.
Sinceramente, não quero saber. Me incluam fora dessa!
Porém, como sei que a tecnologia é um caminho sem volta, torço para que os jovens programadores também investiguem o algoritmo da esperança, que se alimenta de sonhos mirabolantes, crença no futuro e, apesar dos pesares, fé irrestrita na humanidade.