A inteligência artificial, construída com o somatório das inteligências disponíveis antes das máquinas, se apresenta como um instrumento ao mesmo tempo poderoso e assustador na execução de tarefas que, até ontem, eram exclusividade dos cérebros humanos, que apesar de considerados brilhantes pelos seus pretensiosos proprietários, têm se revelado falhos, lentos, fatigáveis, tendenciosos, e pior de tudo, perecíveis.
Confirmada a eficácia do engenho, o passo seguinte consistiu em estabelecer-lhe a aplicabilidade. Em inúmeras áreas, os benefícios já se tornaram tão evidentes, que sua utilização deixou para trás a acusação de experimental para assumir protagonismo na sobrevivência de muitas empresas. A diversidade de empregos, nas mais variadas áreas de atividade profissional, removeu o elemento de discussão sobre as vantagens potenciais, para um foco muito mais específico: como fazer para tirar o máximo proveito da novidade que se instalou como um posseiro do presente e não mais como um possível inquilino do futuro.
As grandes empresas de informática entraram em ferrenha competição, empenhadas em descobrir instrumentos de auxílio à atividade humana, mas logo adiante, um pouco surpresas, perceberam que em muitos casos esses softwares, cada vez mais sofisticados, tinham logrado um estágio tal de perfeição a ponto de substituir os seus criadores, que em algum momento devem ter percebido, com uma mistura de orgulho (que quase ofuscava o constrangimento), de que a “criatura” era mais eficaz que o criador.
A comprovação da eficácia, como obrigatoriamente ocorre em qualquer atividade, veio através da metodologia científica, essencialmente comparativa: em número crescente e em diferentes ramos da atividade humana, programas modernos têm revelado índices de acerto superiores aos dos respectivos especialistas, aninhando-os como parceiros úteis e infalíveis, e ao mesmo tempo assombrando-os com a possibilidade, cada vez mais plausível, de vir a dispensá-los. Um programa produzido pela IBM, quando convenientemente abastecido pelas informações-chave (esta aparentemente acabará sendo a derradeira tarefa humana), é capaz de propor soluções legais, com índices de acertos que as melhores bancas de advocacia terão dificuldade de competir. E claro, a um custo infinitamente menor.
Se a inteligência artificial bater-lhe à porta, acolha-a, ofereça-lhe uma cadeira e comece a conversar, diplomaticamente. Acredite, você não vai querer tê-la como inimiga no futuro.
Da mesma maneira, alimentados os sistemas de inteligência artificial de informações médicas relevantes (e os melhores clínicos serão reconhecidos pela capacidade de identificar o que tem relevância naquele contexto específico), são capazes de anunciar diagnósticos com precisão desafiadora à experiência médica convencional. Se chegamos a este ponto, e o consenso é de que estamos apenas começando, é prudente que as cabeças muito conservadoras, mas que pretendam fugir do rótulo de dinossauros do seu tempo, comecem a admitir que a onda de cada nova descoberta, pela euforia que desperta nos cérebros criativos, pode, no início, parecer uma marola, mas sempre terminará em tsunami porque nada, absolutamente nada, consegue deter a energia multiplicadora do conhecimento em evolução. Quem já trabalhou em alguma pesquisa sabe do que estou falando. Então, se a inteligência artificial bater-lhe à porta, acolha-a, ofereça-lhe uma cadeira e comece a conversar, diplomaticamente. Acredite, você não vai querer tê-la como inimiga no futuro.