Outro dia, na sua estreia nesta Copa América, a Seleção Brasileira vestiu a réplica de um antigo uniforme branco para homenagear o time campeão sul-americano de 1919, título conquistado há exatamente um século. Foi decepcionante ver aquilo. No intervalo, frustrado também pela carência de gols e de bom futebol, tive ganas de passar uma mensagem urgente para Tite e para os jogadores:
– Voltem de amarelo, pelo amor de Deus!
Sei que não chegaria, era só para desopilar. Os brancos acabaram fazendo 3 a 0 na Bolívia, mas nem senti vontade de festejar. Aquele não parecia ser o nosso time. Quando vejo a Seleção assim descaracterizada, prefiro torcer discretamente para a Colômbia, que usa cores semelhantes às nossas e ainda tem o James Rodríguez, apesar das destoantes meias vermelhas. A camisa canarinho é a nossa segunda bandeira nacional. Deveria integrar a lista de símbolos oficiais da pátria. Ela tem o poder de mexer com as nossas paixões e de provocar palpitações de patriotismo até no mais empedernido dos corações.
Quando o adversário tem a primazia pelo uso da camisa amarela, o máximo aceitável é que seja substituída pela azul. Quanto ao verde e ao branco, palmeirenses e santistas que façam bom proveito.
O Brasil do futebol é amarelo e ponto final.
Mas os brasileiros podem ser de todas as cores.
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Nunca me conformei com a divisão cromática da política nacional que coloca o verde e amarelo como exclusividade de algum setor ou partido. Nos anos 70 de minha juventude, a resistência ao regime militar chegou a ensaiar um boicote à Seleção por temer que os governantes de plantão pegassem carona na popularidade do time tricampeão. Porém, quando a bola rolou, amigos e inimigos acabaram torcendo juntos pela amarelinha. Mais tarde, já com o país redemocratizado, a população vestiu-se de preto para apressar o impeachment do presidente que traiu o mandato e tentou se apropriar das cores nacionais. Nesses últimos anos agitados por manifestações de rua e embates furiosos nas redes sociais, o confronto de cores voltou com força.
Sem ingressar no terreno pantanoso das ideologias, penso que todos perdemos quando brasileiros se voltam contra brasileiros. Nossa bandeira, nossos símbolos e nossas cores são uma propriedade coletiva, representam o país, e não apenas determinados segmentos da sociedade. Temos o direito de ostentá-los com muito orgulho e muito amor, como diz o cântico das torcidas, mas também o dever de respeitá-los e de protegê-los do nacionalismo exacerbado, que nunca gera boas coisas.
Nesse contexto, a camisa canarinho – criada pelo escritor gaúcho Aldyr Schlee, falecido no ano passado – funciona como identidade visual do país e ainda detém o poder mágico de pacificar corações e mentes.
Nesta quinta, na Arena do Grêmio, certamente teremos uma nova trégua pela Seleção. Desde que, evidentemente, ela não apareça de branco para estragar a festa.