Alguns brinquedos antigos são cíclicos, como o pião e a bolinha de gude, mas poucos tiveram um retorno tão glorioso quanto está tendo nos dias atuais o patinete – ou a patinete, pois os dicionaristas ainda divergem em relação ao gênero do veículo. Mas não é esta a polêmica em torno do brinquedinho que agora virou meio de transporte e se multiplica geometricamente pelas ruas e calçadas do planeta. O que se discute é a necessidade de regramento para a circulação de um equipamento tripulado que disputa espaço com pedestres, bicicletas e automóveis nas principais cidades.
Patinetes elétricos e compartilhados, acessados por aplicativos de celulares, conquistam cada vez mais adeptos, pois oferecem alternativas de deslocamento rápido para o trânsito engarrafado e para as dificuldades de estacionamento. Mas também trazem novos transtornos à vida urbana, entre os quais sustos, tombos e atropelamentos. Não que isso seja exatamente uma novidade: joelhos e cotovelos ralados fazem parte dessa prática desde a minha infância, quando a garotada se divertia sobre pequenos veículos construídos em casa, a partir de uma tábua sobre rodinhas improvisadas ou rolimãs, aqueles rolamentos utilizados nos também pré-históricos carrinhos de lomba. Evidentemente, naqueles tempos pretéritos a velocidade era menor, pois o impulso dependia unicamente da força que tínhamos nas pernas e o freio era a sola do pé.
Agora, com acelerador e bateria, as modernas viaturas atingem velocidade superior à de muitas bicicletas, sem ter pista de rodagem própria. O risco é constante. Por isso, enquanto administradores públicos e legisladores discutem como disciplinar a novidade, é prudente que os condutores não apenas usem capacetes e equipamentos de proteção como também adotem, ao circular pelas calçadas, o grito de guerra que integrantes de minha tribo de infância costumavam emitir lomba abaixo sobre aqueles patinetes dos Flintstones:
– Sai da frente!
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Só espero que a decisão sobre os patinetes não seja repassada ao tribunal plebiscitário da internet, modismo que coloca sob suspeita o princípio democrático da vontade da maioria. Veja-se o caso do goleiro Sidão, do Vasco. Ele teve uma atuação desastrada no jogo do último domingo contra o Santos, falhou em gols decisivos, mas acabou sendo eleito – e premiado publicamente – como Craque do Jogo, em votação online promovida pela Globo. Ficou escancarado o voto cacareco dos vascaínos indignados, dos santistas eufóricos e dos gozadores de todas as bandeiras.
Foi um constrangimento geral, a própria emissora pediu desculpas ao atleta e acabou alterando o formato da escolha para não cair novamente na armadilha da viralização emocional. Pode-se argumentar que é só futebol. Mas o tribunal anônimo e inquisitorial da internet também influi muito nas decisões políticas, econômicas e sociais. E, como o patinete, não tem regramento.
– Saiam da frente!