Li que o Brasil celebra neste 2 de maio o Dia Nacional da Ética, mas preferi não pesquisar a razão pela qual a data foi criada nem o nome dos legisladores e do governante que a instituíram. A história recente do país transforma até mesmo a ação política mais nobre em piada pronta. No caso, não faltará um gaiato para lembrar que dedicar um dia para a ética significa reservar todos os demais às safadezas. Ainda assim, fiquei pensando no poder e na complexidade desta palavrinha criada para estabelecer o limite entre o certo e o errado. Nem sempre é fácil explicar o seu significado. Ética – diz a melhor definição que conheço – é fazer o correto quando ninguém está olhando.
Esse conceito popular reflete exemplarmente a lenda do anel de Giges, contada pelo filósofo Platão. O pastor Giges perdeu todo o seu rebanho durante uma tempestade que abriu uma fenda no chão e engoliu os animais. Na tentativa de recuperá-los, ele mergulhou no abismo, mas só encontrou um gigante morto, com um anel na mão. Colocou o anel no próprio anular e foi para a assembleia de pastores justificar o desastre ao rei. No caminho, percebeu que ao girar o anel para baixo se tornava invisível, voltando a ser visto quando o devolvia à posição original. Sem o risco de ser descoberto, seduziu a rainha, assassinou o rei e usurpou o trono, passando então a governar. Movido pelo desejo de poder, perdeu os escrúpulos e transformou-se em assassino e tirano.
A partir dessa história fantástica, Platão – desconsiderado por governantes que querem cortar recursos das faculdades de Filosofia e Sociologia – propõe uma questão desafiadora e sempre atual: os homens agem honestamente por escolha própria ou simplesmente porque temem ser descobertos e punidos?
A ética deveria ser a resposta elementar para essa indagação. Porém, como o homem não confia no outro homem (contrariando o que prega o artigo 4 do estatuto elaborado pelo poeta Thiago de Mello), especialmente quando ele veste a capa da política, precisamos contar com leis, regras e instituições que garantam a visibilidade dos governantes e dos governados. Por isso as democracias não podem prescindir de mecanismos controladores como a imprensa livre e independente, que, pela natureza de sua atividade, impõe transparência até mesmo àqueles que se deixam corromper pelo poder deletério do anel.