Num país com outro país de desempregados dentro dele, chega a parecer irônico celebrar o Dia do Trabalho, mas o feriado desta quarta-feira, independentemente das manifestações sindicais e políticas programadas, serve também para refletirmos sobre os trabalhadores invisíveis do nosso cotidiano. Talvez não tenhamos poder para aumentar-lhes os salários nem para assegurar-lhes melhores condições de trabalho, mas certamente podemos fazer com que se sintam mais importantes e respeitados. Como? Simplesmente reconhecendo que eles existem.
O psicólogo social Fernando Braga protagonizou uma experiência reveladora sobre esse tema em São Paulo. Durante oito anos, vestiu o uniforme de gari e varreu ruas e calçadas da USP, onde estudava. Colegas e professores passaram incontáveis vezes por ele sem reconhecê-lo e sem perceber sua presença. Era como se estivesse vestindo a capa da invisibilidade dos livros de Harry Potter. No convívio prolongado com companheiros de limpeza, descobriu que um simples bom-dia de outras pessoas, o que raramente ocorria, significava para eles um sopro de vida, um sinal de reconhecimento da própria existência.
– Até os animais domésticos são tratados por seus nomes, mas esses trabalhadores são vistos como parte da paisagem – conta em seu livro Homens Invisíveis: relatos de uma humilhação social.
Vale para os garis e também para outros ocupantes de profissões consideradas menos qualificadas, com os quais cruzamos todos os dias sem dar-lhes a devida atenção. Custa muito cumprimentar o porteiro do condomínio e chamá-lo pelo nome? Ou desejar boa viagem ao motorista do ônibus? Ou deixar um elogio para a cozinheira do restaurante? Tudo isso podemos fazer hoje e todos os dias. É a minha sugestão para esta data especial dos trabalhadores. E aproveito para estender esta saudação simbólica também a outro imenso grupo de invisíveis, formado por brasileiros que procuram trabalho, quase sempre vistos apenas como número:
– Aproveitem o dia e acreditem que todo amanhã é uma oportunidade de recomeço.
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Em passado não muito distante, participei do planejamento de uma reportagem para mostrar na prática a invisibilidade dos trabalhadores da limpeza urbana em nossa cidade. Consistiu em experiência semelhante à realizada pelo psicólogo paulista, com a diferença de que ocorreu num único dia e os garis improvisados eram celebridades da sociedade gaúcha. Com o uniforme chamativo, boné e vassoura na mão, artistas, apresentadores de TV e até uma ex-miss permaneceram algumas horas em locais movimentados da cidade, filmados e fotografados por câmeras ocultas. Muitas pessoas passaram sem sequer dirigir o olhar para os famosos. Porém, logo que eles foram descobertos ou se identificaram, formou-se uma pequena multidão para abraçá-los e compartilhar fotografias.
Abraços, vale acrescentar na sugestão que fiz acima, são antídotos poderosos para o veneno da invisibilidade.