Olho o imenso espelho líquido e vejo os céus de Porto Alegre que o poeta Mário Quintana queria levar para o céu. Espero que tenha levado a sua parte. Estou diante do Guaíba, num dia ensolarado de outono e num entardecer de águas serenas – tudo tão lindo, que me emociono por ter nascido nesta cidade amada. Mas meu orgulho bairrista não soluciona o dilema racional: afinal, estou olhando para um rio ou para um lago?
O debate se arrasta por décadas e envolve interesses diversos, que vão da vaidade dos especialistas à ganância dos especuladores imobiliários, passando também pelo autoritarismo das autoridades. Cientistas divergem, cada grupo com estudos e argumentos que comprovam suas teses. Os construtores de prédios querem que seja lago, pois assim ganham mais orla para construir suas torres de concreto. Os defensores do meio ambiente exigem que continue sendo rio, como era muito antes dos açorianos plantarem as primeiras sementes da metrópole que bebe e suja suas águas. E os governantes e legisladores simplesmente sentenciam em seus códigos e decretos como a população deve tratar sua dádiva, sem ligar para o que ela pensa.
Nós, jornalistas, resolvemos a dúvida semântica, quântica e nada romântica com a simples substituição do substantivo comum pelo nome próprio, antecedido do respectivo artigo. Nem rio nem lago: simplesmente "o" Guaíba. O de omissão.
Olho o imenso espelho líquido e vejo refletida, também, essa elipse pusilânime que, sob o pretexto da neutralidade, estamos transferindo para nossos leitores preencher.