Por Anthony Ling, arquiteto, urbanista, editor do site Caos Planejado
O nome da capital gaúcha remete ao seu maior ativo natural, um Porto Alegre em contato com a água. No entanto, o Muro da Mauá nos separa da nossa orla. Sua construção foi movida pelo medo que uma enchente como a de 1941 se repetisse. Desde então, nada semelhante ocorreu e a eficácia do muro nunca foi testada. Com quase meio século de existência, o dano que o muro causou ao Centro Histórico e o custo de oportunidade ao desenvolvimento da cidade é inestimável, acelerando a lenta deterioração que a cidade vem sofrendo.
As alternativas para nos protegermos de uma eventual enchente são várias. O risco que deve se levar em consideração é de uma lâmina de centímetros de água a cada meio século, dado que a chance de uma enchente como a de 1941 é de uma vez a cada 1,500 anos. Atingir a altura ainda maior do atual Muro da Mauá é próximo do impossível.
Nesse cenário de risco a cidade deveria aprender a lidar com a água. Veneza, cidade com limitações muito mais severas de adaptação de sua infraestrutura, é inundada não a cada par de décadas mas todo ano e, ainda, por vários dias, em um cenário onde a parte interna das construções é adaptada para receber alguns centímetros de água.
A região central de Praga, também afetada por enchentes, possui um sistema de diques móveis para situações de emergência, que podem ser instalados à medida que se acompanha o subir das águas. Investimentos em drenagem urbana, hoje já atrasados, ajudariam a mitigar um eventual transbordo. Também poderia ser implementado sistema de comunicação de alerta, como os serviços meteorológicos possuem nos Estados Unidos. Para os alarmistas de plantão, no mínimo deveríamos diminuir a altura da barreira, abrindo a vista e para que, em poucos degraus, tenhamos acesso à água.
Críticos dizem que os benefícios da derrubada do muro não são claros, pois é impossível prever o futuro. A realidade é que o presente é o futuro de ontem, provando o estrago que um muro pode fazer. Um futuro sem ele é otimista e ainda mais resiliente, pois não teremos mais medo quando abraçarmos a água.