Toda vez que recebo a revista Programa, editada pelo combativo jornalista Ayres Cerutti, um guerrilheiro das causas de Porto Alegre, fico longo tempo debruçado sobre o encarte com o mapa detalhado da Capital. Gosto de ver no papel, esquematizadas, as ruas e avenidas que costumo percorrer nos meus deslocamentos semanais entre a Zona Sul, onde moro, e a Zona Norte, onde residem meus familiares. São quase 40 quilômetros entre os bairros Serraria e Sarandi – uma viagem dentro desta cidade que continua se expandindo para todos os quadrantes, até para onde sempre me pareceu impossível. Outro dia, em conversa com um amigo de outras paragens, comentei:
— Só não podemos crescer mais para o lado Oeste, por causa do rio.
Aí vi a reportagem publicada neste jornal sobre os sucessivos aterros do Guaíba e me arrependi de ter feito aquele comentário. Se os porto-alegrenses continuarem invadindo a água para plantar concreto, como vêm fazendo desde que os açorianos desembarcaram por aqui, talvez a ponte atual e a que está sendo construída logo se tornem inúteis. Já nos apropriamos tanto do rio que – de acordo com o mapa dos aterros divulgado na referida reportagem – prédios históricos e emblemáticos como o Mercado Público, a Prefeitura, o Margs, a Casa de Cultura Mário Quintana, a Usina do Gasômetro e o Beira-Rio estão localizados em áreas confiscadas aos lambaris.
Essa marcha insensata para o Oeste tem um preço, como bem sabemos. De vez em quando o rio (respeito laguistas e estuaristas, mas prefiro chamar o Guaíba pela sua denominação original) se revolta e tenta retomar o que já foi seu. Claro que a Leal e Valorosa resiste bravamente, como já fez quando os farroupilhas tentaram tomá-la do Império. Esse potencial embate é que mantém o muro da Mauá de pé.
Na verdade, os momentos de conflito são raros. Como caminhante diário da orla Sul e frequentador assíduo do Centro Histórico, sou testemunha da convivência pacífica entre a cidade e o seu espelho de águas tranquilas, onde todos nós, invasores ativos ou conformados, costumamos pescar com os olhos o mais belo pôr do sol do planeta. Até por isso deveríamos impor limites à invasão.
Na visão deste modesto observador, um único entardecer alaranjado vale mais do que todas as estrelas artificiais plantadas no cimento da Nova Orla.