O mundo perfeito e maravilhoso das redes sociais vem sofrendo ataques constantes de militantes arrependidos. Não passa dia sem que um desses gurus do Vale do Silício venha a público para denunciar malefícios da internet ao cérebro humano ou para revelar que controlam o uso da tecnologia em casa. O próprio Bill Gates, megaempresário e ícone da vida digital, conta que seus três filhos só ganharam celulares próprios depois de completar 14 anos – e que continuam proibidos de acessá-los durante as refeições. Agora saiu um livro escrito por Jaron Lanier, um dos idealizadores da realidade virtual dedicado à expansão da internet, com o sugestivo título de Dez Argumentos para Você Deletar Agora suas Redes Sociais.
O principal deles, segundo o cientista, é o de que a telinha se tornou um vício do qual as pessoas não fazem a mínima questão de se livrar, até mesmo porque não se dão conta da gradativa perda do livre-arbítrio. Ele diz que uma engrenagem intrincada de algoritmos modifica constantemente o comportamento de milhões de pessoas sem que elas percebam, sempre com o propósito de manipular emoções, distorcer a verdade e, razão maior de tudo, assegurar lucros para anunciantes e controladores do sistema. Lanier é definitivo sobre o assunto:
– Evito as redes sociais pela mesma razão que evito as drogas.
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Quando eu era menino (e vestia azul), o pânico dos pais e educadores eram os gibis – denominação antiga para as revistas de quadrinhos. As revistinhas eram proibidas na escola, censuradas em casa e consideradas prejudiciais ao processo educativo, pois, na visão dos adultos, ocupavam o lugar daquilo que realmente deveríamos aprender. Mas éramos viciados naquela atraente conjugação de desenhos e legendas, a ponto de nos deslocarmos para o cinema do bairro, aos domingos, com pilhas de gibis debaixo do braço para trocar com outras crianças. Como experiência pessoal, posso dizer que aprendi a ler (sozinho, antes de entrar para a escola) pelo desejo irrefreável de compartilhar com meus irmãos as discussões sobre os famigerados gibis.
Anos mais tarde, a pecha de dementador passou para a televisão, que agora parece estar perdendo espaço e poder de influenciar para as redes sociais.
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Acho que tem muito alarmismo aí, mas reconheço que estamos vivendo tempos desconcertantes. Na recente posse presidencial, por exemplo, um grupo de apoiadores do governo, contrariado com o tratamento dispensado pela mídia, especialmente pela Rede Globo, voltou-se para os jornalistas e começou a gritar:
– WhatsApp! WhatsApp! Facebook! Facebook!
O episódio suscitou críticas e comentários irônicos. Como homem de imprensa e cidadão, achei mais preocupante do que engraçado. Se fôssemos depender apenas do aplicativo e da rede social, como sugere o insensato coro, o abusador de Abadiânia ainda estaria atuando e molestando mulheres fragilizadas e indefesas. E todos aqueles que abusam do país talvez permanecessem impunes.