Segundo dia de 2019, o ano novo já é velho. Já se passaram mais de 24 horas da noite de fogos coloridos que iluminou o mundo habitado e os sonhos de bilhões de seres humanos. O novo talvez seja apenas essa nossa vocação para sonhar, para imaginar o futuro, para pensar que o amanhã será melhor do que o ontem. Para isso inventamos, também, a contagem do tempo: posso dizer, com certo orgulho, que sou de uma geração que passou de um século para outro e até de um milênio para o seguinte, mas cada ano que assinalo no meu calendário pessoal é sempre uma nova oportunidade para reinventar a vida.
Há controvérsias, sei disso. Sentencia o Eclesiastes que não há nada de novo debaixo do Sol – tudo se repete como no mito de Sísifo, aquele que empurra a pedra montanha acima só para vê-la rolar de volta pela força da gravidade, obrigando-o a recomeçar seu trabalho monótono, estafante e interminável. Condenado pelos deuses ao castigo eterno, Sísifo – na interpretação do escritor Alberto Camus – acabou enganando a morte pela terceira vez, e para sempre. A imaginação é o combustível inesgotável para a conquista do novo.
A história de Sísifo, descrito como o mais astuto dos seres humanos, talvez seja uma das mais criativas da mitologia grega. Ele se especializou em enganar a morte. Na primeira vez, recebeu-a com afagos e gentilezas, até conseguir aprisioná-la. Foi um caos: ninguém mais morria, as guerras deixaram de fazer sentido, a superpopulação agravou a qualidade de vida, o sofrimento dos doentes foi prolongado. Zeus, enfurecido, mandou seu superministro Ares arrastar Sísifo para o inferno. Ele foi, mas ludibriou o guardião das chamas e conseguiu voltar. Por isso acabou condenado ao castigo da pedra.
Saiu da vida para a psicanálise, pois sua emblemática história continua sendo utilizada com diversas interpretações. Uma delas refere-se à necessidade de quebrar a rotina da repetição _ oportunidade que se torna mais visível a cada troca de calendário. Ano novo, vida nova _ costumamos dizer animados, sem levar em conta que o próprio chavão também já se tornou repetitivo.
Meu querido amigo Olyr Zavaschi, que editava o Almanaque Gaúcho em Zero Hora, tinha uma resposta-padrão muito engraçada para os leitores que consideravam velha alguma anedota publicada na página.
– Não existe piada velha – brincava Olyr. E complementava: "O que existe é gente velha que conhece a piada".
Se o leitor não tinha rido, ganhava agora um motivo para rir, nem que fosse de si mesmo.
Pois sinto-me tentado a imitar meu saudoso amigo neste reinício de ano. Não existe ano velho, novo ou diferente dos demais. O que existe é a imaginação humana empurrando teimosamente a pedra da rotina lomba acima. Como ensinou Drummond, é dentro de você que o ano novo cochila e espera desde sempre. O importante é que o ano –novo ou velho– seja seu e que você faça bom uso do dia de hoje e dos dias que virão.
Encare sua pedra e faça-a preciosa. Feliz 2019!