A notícia na tela do computador iluminou o meu sábado. Dizia: "Alfabetizado aos 91 anos, idoso se encanta ao olhar diploma".
A foto que acompanhava o texto era ainda mais tocante: mostrava um senhor de cabelos brancos, de pé, apoiando-se com uma das mãos no encosto de uma cadeira e, com a outra, segurando o diploma que aproximava dos olhos marejados, como se não acreditasse na própria conquista. Li a reportagem com o maior interesse e fiquei sabendo que o ex-agricultor Geraldo Nascimento Ribeiro, depois de concluir o curso ministrado no próprio asilo onde vive, em Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro, recebeu o certificado emitido pelo Programa Brasil Alfabetizado, que atende jovens, adultos e idosos iletrados.
Fiquei comovido também. Aí, caí na asneira de ler os comentários de leitores (todos eles devidamente alfabetizados) no rodapé da notícia. O primeiro já dizia o seguinte: "Não quero ser chato, mas que professor idiota... Perdeu tempo quando podia ensinar a alguém que ainda fosse viver o suficiente para produzir algo de bom...".
Claro que levei um soco no estômago. Reli, tentando encontrar nas entrelinhas alguma coisa que denotasse ironia, provocação ou deboche, pois não podia acreditar que o autor do comentário pensasse mesmo daquela maneira. Mas ele complementou o seu raciocínio com outra postagem ainda mais contundente: "E olha que nem mencionei que o coroa já deve estar aposentado há uns 40 anos somente sugando dinheiro público".
Depois do segundo choque, concluí: se seu Geraldo chega a ler isso, vai se arrepender de ter-se alfabetizado. E não pude evitar uma reflexão que faço questão de compartilhar com meus leitores: qual dos dois alfabetizadores teria perdido mais tempo, o de seu Geraldo ou o do referido comentarista?
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Nenhum dos dois! – pensei melhor no dia seguinte, um domingo brilhante de final de primavera. Ler e escrever não tornam ninguém melhor do que ninguém – nem pior. São habilidades adquiridas e necessárias para uma sociedade humana que se comunica por sinais e códigos gráficos desde que a escrita foi inventada. Mais uma vez, a questão que se impõe é: o que você vai fazer com aquilo que fizeram com você?
Seu Geraldo, que passou a vida inteira manejando a enxada, disse que pretende usar a leitura para acompanhar o noticiário nos jornais e a caneta para escrever bilhetes para os amigos. Já o comentarista de maus bofes, se ainda tiver amigos, talvez continue pregando o seu utilitarismo fascista pela internet.
E os professores, criticados ou aplaudidos, certamente continuarão alfabetizando seus alunos de todas as idades com dedicação e profissionalismo, na suposição de que o conhecimento compartilhado será usado para o bem. Porém, como os agricultores que seu Geraldo tão bem representa, eles apenas plantam sementes. O que virá depois depende da natureza de cada ser humano.