Tenho tímpanos sensíveis. Como cães, gatos e pássaros, também fico muito incomodado com os fogos de artifício barulhentos que algumas pessoas – muitas, para o meu gosto – insistem em lançar sobre a vizinhança e o bom senso nestas festas de final de ano. Claro que o sofrimento é incomparável. Eu procuro abrigo, fujo da agitação, tapo os ouvidos com as mãos quando a proximidade é inevitável. Já os animais ficam totalmente indefesos, até mesmo porque têm audição mais apurada do que a dos seres humanos.
Toda vez que vejo um cãozinho desesperado em noites de Natal e Ano-Novo, amaldiçoo o monge chinês que encheu de pólvora tubos de bambu e inventou essa extravagância. E aproveito para estender minha inofensiva imprecação aos seus antepassados alquimistas que criaram a própria pólvora, numa experiência acidental que buscava – suprema ironia! – o elixir da imortalidade. Mas também não vamos culpar os chineses por todos os males do mundo. Eles nos legaram coisas maravilhosas como a bússola, o papel e o macarrão. Além disso, o problema não é exatamente a pólvora, mas o uso que a humanidade fez dela. E a estupidez explosiva se estende aos rojões festivos, principalmente quando se permite que cheguem às mãos de crianças e bêbados, resultando nos queimados e mutilados que sobrecarregam ainda mais os hospitais nesta época do ano.
Porém, os shows de fogos de artifício, encampados pelo poder público e acompanhados por multidões, comprovam que muita gente sensata e lúcida também gosta da barulheira. Não fazem o meu gênero. Como está na moda agora na antevéspera da virada presidencial, desconvidem-me. Ou melhor: convidem-me para ver a despedida do ano velho nas cidades que preparam shows pirotécnicos silenciosos. Na Capital paulista, já tem até lei proibindo os artefatos barulhentos. Será que vamos mesmo dar esse passo de civilidade? Espero que o foguete sem trovão tenha vindo da China. Os chineses precisam se recuperar comigo e com a bicharada.
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Aliás, eles homenageiam os bichos no seu calendário. Conta a lenda que Buda convidou todos os animais para uma festa de Ano-Novo, prometendo uma surpresa para quem comparecesse. Deve ter nascido aí o modismo do amigo secreto. Pois bem, apareceram somente 12 animais e cada um ganhou um ano, pela ordem de chegada: rato, boi, tigre, coelho, dragão, serpente, cavalo, carneiro, galo, macaco, cão e porco. Este ano que está terminando para nós é o ano do cão para os chineses. O próximo será do porco.
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A nossa lenda mais bonita, recém-celebrada, também consagra um bicho como personagem: o jumento. Pois o dócil animal está sendo vítima de crueldade e ingratidão. Substituídos por motos, os laboriosos burricos nordestinos viraram estorvo, e as autoridades resolveram exportá-los para a China. Teve até parlamentar brasileiro indo a Pequim para comer carne de jegue e chancelar o negócio. Pois, recentemente, jumentos esfomeados e agonizantes foram flagrados numa fazenda baiana arrendada pelo importador. Revoltante até mesmo para quem não tem tímpanos sensíveis.