Dia desses, ao participar de uma oficina sobre textos jornalísticos, compartilhei com os assistentes o curioso exercício de colocar em ordem direta a parte inicial do Hino Nacional. Fica, sem dúvida, mais compreensível, embora perca bastante em ritmo, rima e musicalidade: "As margens plácidas do Ipiranga ouviram o brado retumbante de um povo heroico...". As crianças brasileiras – e muitos adultos também – têm dificuldade para entender a letra do nosso hino, repleto de termos rebuscados, metáforas e inversões. Mas todos nos habituamos a ouvir, apreciar e cantar essa canção que mexe com os nossos sentimentos de patriotismo e pertencimento ao lugar onde nascemos e vivemos.
Mesmo sem compreender o significado de todas as palavras, sabemos que se trata de um manifesto de amor à pátria e de compromisso com a independência, a liberdade e a justiça.
Pois agora o nosso povo heroico está sendo desafiado a entender o significado de uma linguagem ainda mais complexa, que compromete a clareza da última flor do Lácio inculta e bela: o juridiquês do Supremo Tribunal Federal. Nesta quarta-feira, por exemplo, é bem provável que a ministra Rosa Weber manifeste novamente seu posicionamento sobre a prisão de condenados após a decisão em segunda instância. Na última vez que ela fez isso, brincam os humoristas de internet, o tradutor de Libras quase teve um AVC.
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Apesar do discurso empolado e dos evidentes rasgos de vaidade de alguns ministros, o Supremo Tribunal Federal nunca foi tão transparente como tem sido nos últimos anos. Graças às transmissões ao vivo dos julgamentos, os brasileiros não apenas aprenderam o nome dos 11 integrantes da Corte como também já se consideram com conhecimento suficiente para julgá-los. Assim como acontece em relação à Seleção Brasileira de Futebol, todos nós temos o nosso ministro preferido (o meu Neymar, no momento, é o Barroso, data venia opiniões divergentes) e também aqueles que julgamos dispensáveis, embora o cargo seja vitalício e não dependa do nosso voto nem da nossa opinião.
Porém, gostando ou não, entendendo ou não, precisamos nos conscientizar de que aqueles senhores e senhoras de toga, que trocam elogios e ofensas sem perder a ternura do Vossa Excelência, estão decidindo o nosso destino. Cabe-nos, portanto, observá-los atentamente e buscar a tradução do latinório, das abreviações e dos volteios gramaticais.
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Também é impositivo reconhecer que eles não são os únicos a falar uma língua exclusiva em nosso país. No atual e conturbado momento da vida nacional, múltiplos grupos ligados por afinidade política ou ideológica falam apenas para seus semelhantes, recusam-se a ouvir e a entender o que os outros dizem e não é incomum que tentem calar os demais para impor suas ideias.
Nesta Babel de intolerâncias em que o Brasil está transformado, o juridiquês bem-intencionado tem que ser visto como o "brado retumbante" do hino: um grito por justiça.