Agora que até a caturra Fifa se rendeu à tecnologia do árbitro de vídeo, destinada a corrigir equívocos e omissões do julgamento humano no futebol, bem que podíamos introduzir na vida pública brasileira um mecanismo democrático de finalidade semelhante: o recall político. O recurso permite aos cidadãos – e não apenas aos seus representantes aferrados ao poder – interromper mandatos de governantes e burocratas inaptos ou envolvidos com a corrupção. Basta um abaixo-assinado com um número significativo e válido de assinaturas para que o político sob desconfiança seja obrigado a passar por nova aferição eleitoral, podendo ser destituído ou reconduzido ao cargo. Simples assim.
O recurso é antigo e funciona bem em alguns países de democracia consolidada. E, ao contrário do que se poderia imaginar, não fragiliza o sistema representativo nem vulgariza o impedimento de eleitos. Pelo contrário, legitima e torna mais célere os processos de afastamento, neutralizando suspeitas de manobras políticas e golpes institucionais.
A introdução desse mecanismo na legislação brasileira tem esbarrado sistematicamente na pouca disposição do Congresso para examiná-lo, como ocorreu com uma proposta relativamente recente do senador Eduardo Suplicy para a criação do chamado referendo revocatório, outro nome para o sistema. No mínimo, falta um mutirão popular semelhante ao que forçou a classe política a engolir a Lei da Ficha Limpa. Portanto, mãos às assinaturas, gente!
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Na condição de árbitros de vídeo da política nacional, poderíamos transformar em ações práticas e consequentes a nossa indignação com apartamentos recheados de malas de dinheiro, assessores especiais para assuntos de propina e mandatários que mantêm relações promíscuas com corruptores de todos os calibres.
Mais: a população poderia examinar, a qualquer tempo, a postura de detentores de mandatos não apenas em relação à probidade, mas também quanto à eficácia dos serviços públicos. Cidade esburacada, água com mau cheiro, atraso no salário dos servidores, sítios e apartamentos mal havidos, tudo isso pode ser gatilho para o mecanismo revocatório.
Voltando à analogia esportiva, não se trata de substituir governante como se troca técnico de futebol, apenas por paixão ferida ou desencanto com os resultados. Trata-se, isto sim, de garantir aos cidadãos o direito de escolher, vigiar e julgar seus representantes a qualquer tempo – e não apenas de quatro em quatro anos, como prevê a atual legislação.
Agora mesmo, estamos na antevéspera de mais um processo eleitoral e a impressão que se tem, diante das alternativas conhecidas, é de que o nosso voto pode ser uma autocondenação a outro longo período de decepções. Seria bem mais tranquilo votar se tivéssemos a certeza de que, a qualquer momento, poderemos juntar os dedos indicadores, desenhar uma tela de televisão no ar e pedir o nosso voto de volta.