Este céu azul lindo que encobre Porto Alegre, e que Mario Quintana pensou em levar para o céu dos poetas, é um sinal de desgraça para Hulha Negra, Bagé e demais municípios afetados pela estiagem naqueles rincões do Estado. As chuvas de janeiro foram escassas na região e fevereiro já está terminando sem que as orações dos agricultores comovam São Pedro, padroeiro do Rio Grande e, segundo a crença religiosa, responsável divino por chuvas e trovoadas:
– O que ligares na Terra será ligado nos céus – teria dito Jesus a ele.
Porém, nem São Pedro nem o Cléo Kuhn devem ser responsabilizados pela tragédia que arrasa lavouras, mata animais, fragiliza a economia e reduz a qualidade de vida de populações inteiras. Também é muito fácil atribuir culpa unicamente ao fenômeno La Niña (resfriamento das águas do Oceano Pacífico), que aumenta as precipitações no Sudeste e as reduz por aqui.
Antes deles, estão autoridades negligentes e cidadãos desavisados, que não investem em alternativas para a irrigação das plantações, não preveem recursos para emergências e não constroem açudes e reservatórios para os cíclicos períodos de escassez. Isso sem falar na degradação do meio ambiente, que invariavelmente tem as impressões digitais do bicho-homem.
Mas a situação é tão grave, que parece perda de tempo e energia ficar procurando culpados. Pelas notícias que nos chegam das áreas afetadas pela seca, já há pessoas passando sede e bebendo água contaminada. Portanto, não há mais tempo a perder com burocracias e disputas políticas.
Sem desconsiderar a oração, é hora de ação.
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Cada vez que o governo cria um ministério novo, como está fazendo agora com o Ministério Extraordinário da Segurança Pública, me lembro do país fictício e totalitário imaginado pelo escritor britânico George Orwell, no seu célebre romance 1984.
A Oceânia (assim era chamado o país continental) tinha quatro ministérios emblemáticos: o Ministério da Verdade, que falsificava a história, censurava manifestações culturais e destruía documentos para que a versão oficial prevalecesse; o Ministério da Paz, que só existia para organizar a estratégia da guerra; o Ministério da Fartura, que passava o tempo todo mascarando a escassez e a fome; e o Ministério do Amor, que oprimia, torturava e sedava os cidadãos para manter a nação em ordem.
Por aqui, já tivemos no passado um Ministério da Desburocratização, que até patrocinou alguns avanços (entre os quais a criação dos antigos Juizados de Pequenas Causas), mas acabou gerando mais cargos públicos e teve muitas de suas ações revogadas depois de sua extinção. Mais recentemente, uma ministra dos Direitos Humanos se disse vítima de trabalho escravo por não poder acumular dois vencimentos superiores a R$ 30 mil.
Nesse contexto, sabe-se lá o que virá desse tal Ministério da Segurança.