Para a torcida do país pentacampeão do mundo, é duro ter de comemorar um empate com a Colômbia e entrar como desafiante em um jogo eliminatório diante do Uruguai. Parece o fim dos tempos. Dá a impressão de que é uma nova realidade, da qual não se conseguirá mais sair porque o eixo do futebol no mundo mudou.
Tanta desesperança ajuda a explicar a irrelevância que a Seleção passou a ter na vida de quem é apaixonado por futebol no Brasil. Porém, não é esta a visão que este colunista tem a respeito do momento vivido pelo time de Dorival Júnior.
Quem pensa com tanto pessimismo poderia argumentar que está baseado na campanha ridícula nas Eliminatórias, em que o Brasil ocupa a última vaga de classificação para a nova Copa com 48 seleções. Ou pelo futebol rasteiro apresentado contra Costa Rica e Colômbia na Copa América.
Ou pelo fato de que nosso protagonista demora a entender o tamanho que deveria ter hoje para a reconstrução da Seleção. Vinícius Júnior está fora do jogo contra o Uruguai por conta de um cartão amarelo patético que recebeu contra a Colômbia, antes dos 10 minutos do primeiro tempo.
Se tinha sido o que dele se espera diante dos paraguaios, no jogo seguinte voltou a ter uma atitude que lembra o pior Neymar, o que fica mais no chão do que em pé e não se cansa de abrir confrontos inúteis contra adversários e arbitragem.
O pessimista também poderia propor o argumento de que Dorival Júnior repete o comportamento quinta série de boa parte dos treinadores quando põe Endrick em campo aos 41 minutos do segundo tempo, como se quisesse mostrar quem é o dono da prancheta.
Sai Diniz, entra Dorival
Apesar de tudo que enumerei como sólidas razões para desconfiança, prefiro crer que se trata de uma travessia. Rito de passagem.
Dorival Júnior, cujo trabalho admiro e para quem torço na Seleção, herdou um trabalho devastadoramente ruim de Fernando Diniz. Começou a jogar amistosos com vitória e empate contra Inglaterra e Espanha, venceu o México, empatou com os Estados Unidos.
Em dado momento, descobriu a força e o carisma de Endrick, seu goleador desde a estreia. Sem causa aparente, recuou do investimento que fazia no jovem atacante e passou a se repetir em soluções insuficientes. Compreensivo, estou colocando na conta de quem está usando o método mais simples de tentativa e erro para encontrar um time ideal e reservas imediatos.
Dorival tem crédito pelo que fez rapidamente no Flamengo e no São Paulo. Foi o único treinador no clube carioca a conseguir somar Pedro e Gabigol como titulares, foi campeão da da Libertadores assim, além da Copa do Brasil posteriormente. Depois, reinventou Alisson, ex-Grêmio, como um competente segundo volante, e reabilitou jogadores que caminhavam para o ocaso como Rafinha e Luciano.
Uruguai é franco favorito contra o Brasil
Na Seleção, o tamanho das coisas é diferente, a reverberação multiplica por cem, o erro retumba mais e atrasa novos testes. O jogo contra o Uruguai tem várias faces, uma espécie de salão dos espelhos do palácio de Versalhes.
Pela amostragem recente, o franco favoritismo é dos uruguaios. Loco Bielsa montou um time de viés ofensivo que mistura boa qualidade técnica, verticalidade e grande força física. A equipe está tão encaixada que Arrascaeta está no banco de reservas e não há reparos a fazer. Porém, cada vez que o Uruguai foi bem-sucedido contra o Brasil, o favoritismo não lhe pertencia.
A maior de suas vitórias, o insuperável Maracanazo de 1950, acontece num contexto em que o anfitrião, favorito, jogava pelo empate para ser campeão mundial, sai ganhando de 1 a 0 e leva a virada calando quase 200 mil pessoas. Um trauma que volta sempre à pauta no enfrentamento entre as duas seleções.
Já houve episódios suficientes para atenuar a dor daquela derrota, combinemos. No tri em 1970, Brasil 3 a 1. Na final da Copa América de 1989, no fatídico Maracanã, vitória brasileira com gol de Romário.
Por longos anos, nem os uruguaios questionavam o prévio favoritismo brasileiro no confronto entre os dois países. Mas se o mundo insiste em mudar numa velocidade maluca, chegamos a um 2024 em que, no inviável campo reduzido dos estádios norte-americanos, o favorito é o Uruguai. A menos que Dorival Júnior consiga resgatar nos jogadores a atitude que tiveram para vencer o Paraguai no segundo jogo da fase de grupos, a lógica indica a eliminação brasileira em plena quartas de final.
Antes, no mesmo sábado (5), a Colômbia já deverá ter eliminado o Panamá. É rara a cena em que o Brasil vai de desafiante para enfrentar outra seleção sul-americana. Pois bem, estamos vivendo esta cena.
Uma vitória pode iniciar outro tempo para a Seleção que se renova após fracassos sucessivos nas quartas de final em Copas do Mundo. A derrota aprofundará o pessimismo entre a torcida brasileira e ampliará o peso da estreia da Dorival Júnior nas Eliminatórias da Copa de 2026, o que acontece só em setembro.
Eu gostaria de poder convencer leitores e leitoras de que mesmo a derrota não significará o fim e o caos, será apenas mais um capítulo da travessia brasileira até reencontrar sua excelência. Interprete como pedras no caminho. Mas entenderei caso a leitura geral avance para o pânico.