Show e resultado: um e outro não são excludentes, embora alguns discursos no futebol os coloquem como oponentes. Times campeões podem podem ser formados com viés lá ou cá. Os inesquecíveis somarão show e resultado e terão suas escalações declamadas anos afora inclusive por outras torcidas. Sob pressão, a condição humana do treinador o fará argumentar que obteve o resultado mesmo sem show, e que o importante é ganhar.
Noutro contexto, quando a vitória ou o título não chega, o mesmo técnico dirá ao microfone que o fustiga que futebol não é só resultado, precisa olhar o desempenho. Assim foi, é e será através dos tempos.
Para entender o quanto o futebol, neste sentido, pode ser repetitivo, basta que nos coloquemos no lugar da pessoa acuada numa coletiva por perguntas que precisam ser feitas, mas volta e meia passam da dureza para o desrespeito. Há os treinadores que, por traço de personalidade ou treino, conseguem aguentar mais golpes e respondem com polidez mesmo as mais espinhosas questões. Outros, porém, se deixarão levar pelo lado humano de reagir ao que considere agressão e até exagere na réplica, o que fará a próxima pergunta vir ainda mais feroz e exigirá do perguntado nova dose de agressividade ou um passo atrás.
Eduardo Coudet, por exemplo, tem insistido no uso de uma expressão rude quando fala à sua torcida. "Não consumam mierda", reitera o argentino. Fica na avaliação de cada um se o treinador está se excedendo ou, de fato, algumas críticas que recebe vão para o lado pessoal por xenofobia ou pura antipatia. No que toca ao profissional, pura e simplesmente, Coudet mereceu toda crítica feita à sua incapacidade de superar a estratégia tática que Roger Machado propôs nas semifinais do Gauchão e à falta de repertório para vencer o paupérrimo Real Tomayapo. Não é pessoal, não diz respeito ao CPF do técnico, apenas o campo dizendo que Coudet foi insuficiente em dois momentos pontuais, um deles especialmente grave porque tirou o Inter da final do campeonato onde ele era franco favorito.
Ao mesmo tempo, é dever do mesmo crítico atribuir a Coudet papel de protagonista nas duas vitórias coloradas no Brasileirão: contra o Bahia e Palmeiras. A forma como corrigiu o time no intervalo contra o Bahia e manteve o desenho encontrado para bater o Palmeiras em São Paulo é intransferível no mérito ao treinador. A queixa procedente até bem pouco tempo era ausência de repertório. Coudet abriu-se a novas possibilidades e fez um time com dois pontas e um atacante central. Um primeiro volante, um segundo e um meia-armador ou meia-atacante.
Não significa que vai funcionar contra todo adversário e para isso a direção colorada dotou Eduardo Coudet de opções de banco que o autorizem a novos desenhos. O começo colorado no Campeonato Brasileiro é inatacável. Só o Inter e o Flamengo têm seis pontos em seis, ambos enfrentarão dificuldades enormes e parecidas neste domingo (21). O time gaúcho vai no gramado sintético um tanto antigo e duro da Arena da Baixada. A bola é especialmente rápida lá. O carioca estará no Allianz Parque num sintético recentemente trocado porque o anterior tinha virado uma gosma que grudava nas chuteiras dos jogadores. Bizarro.
Os líderes do Brasileirão até aqui não deram show, mas foram competitivos e atingiram os resultados. Ambos têm potencial para um futebol esteticamente mais refinado, só não estão ainda conseguindo praticá-lo porque o futebol é, acima de tudo e sempre, uma competição. Um busca fazer o gol e evitar que o outro possa fazer também. Dependendo de como o comandante pense futebol, o que fez gol pode priorizar defender o resultado que alcançou e golear de 1 a 0 ou ampliar o marcador em busca de mais conforto no jogo ou pelo simples prazer de ser superior e inesquecível. Haverá times excelentes com prioridades diferentes.
A história contempla, combinemos, com mais paixão os times encantadores. Aqueles que você para para ver jogar mesmo não sendo o do seu coração. Encanta quem faz gols. Assim, no plural. Embora a defesa seja uma arte, como ensina o futebol italiano em seus melhores momentos, nada se compara à sensação de ver a construção de uma jogada coletiva até a conclusão às redes ou a jogada individual que transforma marcadores em cones e liberam na arquibancada a euforia dedicada aos fora-de-série.
O último time mundial que vi consagrar o inesquecível foi o Barcelona de Xavi, Iniesta, Neymar, Suárez e Messi. Antes, o mesmo Barça de Xavi, Iniesta, Messi, Pedro e Villa. No contexto brasileiro, o Flamengo de 2019 levava multidões ao Maracanã não para conferir se o time venceria e sim de quanto. Jogavam Everton Ribeiro, Arrascaeta, Bruno Henrique e Gabigol. Não sou capaz de lembrar um único jogador do Once Caldas campeão da Libertadores, mas isso não diminui o fato irretorquível de que o nome do Once Caldas conste no registro da Conmebol como legítimo campeão.
Quando torcedor, lembro que gostava acima de tudo de ver meu time vencedor. Por defeito de fábrica que agradeço a meu pai, José Mauro Saraiva, nunca gostei da ideia de ganhar a qualquer preço. Jamais me seduziu a máxima de que a melhor vitória era aquele conquistada aos 48 minutos do segundo tempo num gol de mão e impedido. Meu encantamento sempre foi o time do meu coração ganhar sendo claramente superior e, portanto, indiscutível.
Embora pareça estar me gabando de ter sido um torcedor "Nutellinha", registro que este jeito de torcer não me fazia melhor torcedor do que o outro que priorizava ganhar fosse como fosse. Torcer é sublime e, a menos que vire violência e intolerância, contempla mais de um jeito de ser. Fossem todos iguais os torcedores do mesmo time e não se discutiria futebol nas mesas de bar do mundo.
No dilema universal e insolúvel que avançará pelos tempos, teremos sempre episódios como o da última quarta-feira (17), com o jogo de volta das quartas de final da Champions League. O Manchester City transformou o Real Madrid no Olaria por 45 minutos no segundo tempo. O time de Ancelotti não passava do grande círculo. O de Guardiola perdia de 1x0, empatou, e De Bruyne teve então a bola do jogo para a virada. À feição, na marca do pênalti, rolando macia no gramado perfeito do Etihad. O belga desperdiçou, desafortunadamente. Chutou a bola no placar eletrônico do estádio.
A esmagadora superioridade do time inglês não lhe rendeu vitória sobre o espanhol, que acabou se classificando nos pênaltis. Injusto? Não. A injustiça mora no resultado mexido por erro de arbitragem. De resto, se o boxeador resiste a todos os golpes e dá um, definitivo, que derruba o oponente, ali está a justiça.
Show e resultado podem estar do mesmo lado como o Brasil tricampeão na Copa de 1970. Pode estar em lados opostos, como o Brasil derrotado na Copa de 1982, que não fez do show, resultado. Ou no Brasil tetra na Copa de 1994, que alcançou o resultado e mandou o show às favas. Faça sua escolha, mas deixe a porta aberta para outras possiblidades.