Se a condição humana autoriza erro porque errar é humano, a batalha diária está em não errar sempre os mesmos erros. Se errar é inevitável porque humanos somos, que consigamos errar erros novos, não os mesmos. Antes que vire um pretensioso tratado de antropologia, melhor enveredar para o futebol e tentar junto a quem me lê entender o que trava o Inter.
Não é só o de Mano Menezes, combinemos. Desde o nefasto rebaixamento produzido por uma direção incompetente e, segundo se vê no processo que corre, possivelmente venal, o Inter nunca mais teve faixa no peito ou taça no armário.
Não pode ser coincidência, uma vez que os efeitos daquela administração terrível deixaram poeira tóxica anos afora e ainda hoje o Beira-Rio respira aquele ar contaminado, veio uma enorme crise de autoestima e identidade que acabam vitimando o Inter na hora maior. Grande que é, dos maiores do mundo, o Inter desaprendeu a ganhar.
Não estou falando de vitórias isoladas, épicas e pontuais. Casos assim sobram desde a volta em 2017, mas não bastam para uma torcida que já comemorou de Gauchão a Mundial e, portanto, sabe o gosto inebriante e inesquecível do sucesso.
As gestões que sucederam a de Vitorio Piffero se esforçaram, esgaçaram o orçamento em busca da normalidade. A contratação de Paolo Guerrero por Marcelo Medeiros, por exemplo, foi a sinalização de que o clube não desistiria de sua grandeza.
O atual presidente fez, tempos atrás, uma frase sensata quando perguntado se estava angustiado por não conquistar títulos. Respondeu que ficaria mais angustiado ainda se entregasse o clube pior do que recebeu. Mas Alessandro Barcellos é o primeiro a saber que o ano é de eleição e, tanto quanto se saiba, ele próprio pode se candidatar a reeleição. Não haverá a menor chance se o campo não começar a responder melhor à expectativa de quem torce.
Não ter sido finalista do Gauchão já é peso inevitável que foi para o currículo. São dois anos seguidos sem estar na final do campeonato regional. O vice-campeonato brasileiro do ano passado reascendeu em quem veste vermelho a esperança de dias melhores.
Por razões das mais variadas, o 2023 colorado não se afirma no patamar do fim de 2022. Além da já citada ausência na decisão do campeonato local, a torcida vê, com triste regularidade, seu time se atrapalhando no momento em que deveria se consolidar e mudar de status.
A vitória épica sobre o Flamengo em uma manhã ensolarada de domingo seguiu-se a uma classificação sangrada na Copa do Brasil contra o CSA, em Maceió, com direito a série de pênaltis. Depois da vitória normal contra o Goiás, o Inter voltou a se atrapalhar em casa contra um gigante uruguaio, sim, mas dono de um time modesto nos dias atuais.
O time de Mano Menezes esteve duas vezes com a vitória nas mãos e cedeu o empate, para incredulidade de sua torcida. Quando tinha 1a 0, o Inter deixou de definir o jogo vezes seguidas, culminando na chance impressionante perdida por Wanderson, que tentou a conclusão tendo ao lado dois companheiros que fariam o gol sem goleiro. Pouco depois, o Nacional empatou.
No segundo tempo, o Inter fez 2 a 1 à fórceps, recuou inteiro para sua área, mas nem assim marcou bem e os uruguaios empataram de novo. Agora, uma vitória na Venezuela e outra em casa contra o Independiente Medellín devem garantir a vaga nas oitavas mesmo se perder para o Nacional, em Montevidéu. Entretanto, eu e você não vamos encontrar em grande quantidade colorados que estão seguros de que estes seis pontos virão. Não é pessimismo de quem duvida. O Inter é que não autoriza segurança porque lhe falta, essencialmente, solidez.
O título da coluna quis chamar atenção de você, leitor ou leitora, e tenho que tentar avançar sobre o que ele propõe. O que trava o Inter, acima de tudo, é uma instabilidade emocional profunda que contamina até os profissionais que nada tiveram com os dissabores de antes. Ninguém, até agora, conseguiu chegar e mudar este espírito de insegurança que abala dos mais aos menos competentes jogadores de futebol que vestem a camisa colorada.
Parte desta instabilidade está na insuficiência técnica do elenco. Houvesse mais qualidade, as vitórias seriam menos dramáticas e sua sequência traria solidez emocional, o que leva à confiança, que leva à vitória e ao título.
Qualidade custa um dinheiro que o Inter não tem para investir. Então, por tempo indeterminado, o que poderá mover o Inter na direção do sucesso é a entrega. A insistência. O empenho insano atrás dos resultados que o façam campeão. Neste contexto, os jogadores não teriam direito a se sentirem mais motivados contra o Flamengo do que contra o CSA. A perseguição ao sucesso viria pelo denodo, pela irresignação que este grupo de jogadores só mostra em espasmos até agora.
O Inter está vivo nas três competições que disputa. No Brasileirão, sua candidatura é bem menor, fruto de tudo que está escrito nesta coluna. Nas competições eliminatórias, porém, onde a gana e a determinação fazem mais diferença, o Inter será tanto mais candidato quanto consiga parar de se sabotar, de derrotar a si mesmo antes de enfrentar o adversário.
Escrever é facílimo, reconheço. Fazer é bem mais difícil. Mas, creia quem me lê: se o Inter não conseguir superar este estado de inércia onde se repete em erros que já cometeu, nada de diferente vai acontecer.