Desde que Grêmio e Inter se firmaram como os gigantes do futebol gaúcho, nunca houve decisão de Gauchão com dois times do Interior. Em 2023, a diferença técnica da dupla da Capital era evidente a olho nu. Bastava ver a escalação em vermelho ou em azul, compará-la a qualquer escudo das cidades interioranas e lá estava uma abissal defasagem a favor de quem mais investe e mais paga.
Não são fatores paralelos, a despeito da frase do brilhante e saudoso frasista Ibsen Pinheiro. Ele dizia que às vezes a diferença entre o jogador caro e o barato era só o preço. Tratada como exceção, a premissa vale. Na regra, porém, não. Quem pagar por Mbappé, terá futebol de excelência.
Para não humilhar ninguém, pense você que me lê no nome que lhe vem à cabeça e custaria muito barato. Compare. Por óbvio, a chance de o atacante francês dar certo é infinitamente maior do que o nome de poucas luzes que você pensou.
No entanto, para graça e perenidade do futebol, não basta ter os melhores jogadores. Jogo coletivo é de estratégia. Se o treinador encaixar suas peças, a engrenagem gerar resultado que gera confiança, pronto. Está montado o cenário para o pior ganhar do melhor.
Caxias e Ypiranga construíram parcialmente esta perspectiva nos jogos de ida das semifinais. No Centenário, o anfitrião esteve sempre mais perto de vencer o favorito. Empatou, reclamou de um pênalti que, de fato, houve, mas acontece contra e a favor todo tempo. No Colosso da Lagoa, o time de Luizinho fez ainda melhor. Virou sobre o favorito, que não perdia há seis meses.
No Beira-Rio, o Caxias vem de desafiante, uma condição que lhe dá plenitude para jogar seu futebol de ousadia, o tipo de proposta que o trouxe até aqui. Thiago Carvalho é um jovem e promissor treinador, não negocia estilo. Técnico autoral, gosta de ver seu time tratar a bola com o carinho devido. Arrisca-se mais do que o necessário com sua inegociável saída desde o goleiro, mas é parte do jeito de ser que instaurou no Caxias tão bem dirigido pelo presidente Mário Werlang.
Por não ser kamikaze, Thiago Carvalho não deve se atirar para dentro do campo colorado. Menos ainda, tenho certeza, mandará sua equipe ficar atrás da linha da bola dando bico para frente. A amostragem da fase classificatória dá conta de um time corajoso mas, combinemos, não era um jogo que mudasse a vida do Caxias. Havia margem para ser audacioso além do limite. O Caxias virou sobre o Inter, sofreu o empate nos acréscimos, impôs respeito.
Agora, o visitante pode escolher a hora de ousar. O Inter, não. Dono da casa e sem título desde 2016, o Inter precisa ser propositivo e responder a uma torcida angustiada há anos pela ausência do que sempre lhe sobrou: faixa no peito. A direção colorada, num gesto de extremo respeito à dificuldade que prevê diante do Caxias, liberou o ingresso aos sócios que, pelo seu plano, teriam de pagar ingresso.
Desta vez, não. Bastava fazer o check-in. Domingo (26), 18h, valendo presença na final do campeonato, a moldura será toda em vermelho e branco. Mantenho o favoritismo que atribuí ao Inter antes de as semifinais começarem, mas reconheço como real e nada pequena a chance de o Caxias fazer história no Beira-Rio.
Tensão para o Grêmio
Na Arena, a cena será ainda mais tensa para o Grêmio. O Ypiranga virou sobre o gigante em Erechim. Antes, escapou de ser goleado pelo desperdício extraordinário que o time de Renato Portaluppi vem cometendo rodada a rodada no Gauchão e na Copa do Brasil. Ao não ir para o intervalo com o 3 a 0 que poderia ter infligido ao Ypiranga, o Grêmio deixou margem para Luizinho Vieira mostrar toda sua competência. Mudou peças, fustigou o lado esquerdo desajustado da defesa gremista e venceu.
Não haverá menos de 35 mil pessoas sábado (25) à tarde no Humaitá. O treinador está diante de um dilema que, de alguma forma, testa sua autonomia e sua vaidade. Seu time precisa de uma torcida animada e confiante para ajudá-lo a vencer por dois gols de diferença e ir às finais. No entanto, se desafiar esta torcida com escolhas que ela não aprova, corre o risco de tê-la tensa e contrariada desde o anúncio da escalação nos alto-falantes.
Thiago Santos não é o demônio de chuteiras. Não merece perseguição de qualquer natureza. Ao mesmo tempo, sua insuficiência técnica avançou sobre os limites de quem veste azul. O volante é remanescente de um rebaixamento constrangedor e doído, do qual não foi culpado isolado. Sem Villasanti, Carballo e Pepê, e talvez sem Cristaldo, Renato terá de fazer contorcionismo para casar sua convicção com a expectativa da torcida que ele conclamou para estar na Arena.
Do outro lado, o Ypiranga vem desobrigado de qualquer responsabilidade. Caso seja finalista, terá feito uma façanha espetacular na casa do Tricolor. Se o desafiante for eliminado, a explicação volta à origem desta coluna, a evidente diferença técnica no peça a peça a favor do Grêmio.
Esta paz de espírito pode causar dois efeitos opostos no time do Ypiranga. No pior cenário para quem tem a vantagem, os jogadores se desconcentram, perdem intensidade, se dão por satisfeitos com a chegada às semifinais e o Ypiranga cai. No melhor, cada jogador entende o jogo como o da sua vida, entram confiantes, leves e perigosos. Neste caso, a chance de o Ypiranga eliminar o favorito cresce muito.
O que torna este fim de semana especialmente atraente no Gauchão é a chance real de um ou os dois desafiantes eliminarem um ou dois dos maiores clubes do mundo. O gigante que ficar pelo caminho terá uma crise forte a debelar. Se ambos caírem, a crise muda de proporção, fica menor.
Caso Grêmio e Inter confirmem seu favoritismo, teremos dois clássicos fantásticos para decidir o Gauchão. Do lado de cá do balcão, qualquer prato deste cardápio me satisfaz. Já é certo que o campeonato vai ser animado e especial até que alguém levante a taça.